Peça polêmica de Zé Celso foi parar na Justiça de Araraquara e outra chegou a ser vetada; relembre


Espetáculo ‘Mistérios Gozosos’ foi acusado por padre de profanação de objetos religiosos católicos, em 1995. Dois anos depois, prefeitura vetou a peça ‘Bacantes’, mas voltou atrás. Cena da peça ‘Mistérios Gozosos’ e o dramaturgo Zé Celso
Cedoc EPTV/Arquivo
Natural de Araraquara (SP), o dramaturgo Zé Celso Martinez Corrêa, que morreu nesta quinta-feira (6) aos 86 anos, colecionou algumas polêmicas no município, nos anos 1990.
Em junho de 1995, a peça ‘Mistérios Gozosos’, que abordava sexo e a religião católica, foi alvo de uma ação judicial de um padre por susposta profanação de objetos religiosos. O processo foi arquivado.
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Em 1997, Zé Celso teve a peça ‘Bacantes’ vetada pela então presidente da Fundação de Artes e Cultura de Araraquara, Martha Estela Lupo. (relembre as polêmicas abaixo).
Zé Celso tinha sido internado internado na terça-feira (4) na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas após um incêndio em seu apartamento, no Paraíso, Zona Sul de São Paulo. Ele teve 53% do corpo atingido por queimaduras, ficou sedado, entubado e com ventilação mecânica.
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Peça ‘Mistérios Gozosos’
Peça polêmica de Zé Celso, ‘Mistérios Gozosos’ foi parar na Justiça de Araraquara
Zé Celso e os atores da peça foram acusados pelo padre Oswaldo Baldan de ofender a eucaristia e ritos religiosos durante uma cena de “Mistérios Gozosos”, apresentada em junho de 1995 durante a Semana Luiz Antonio Martinez Corrêa. O evento homenageia o irmão do dramaturgo, assassinado em 1987.
A polêmica acontece na cena em que o ator Marcelo Drummond, que interpretava Jesus, oferece seu ‘corpo e sangue’ a outro ator na forma de banana e champanhe. (relembre no vídeo acima).
“Uma afronta muito grande. Dentro de uma linha de pornografia, de sexo explícito. Uma coisa inimaginável. Vocês não podem imaginar o que foi essa peça”, disse o padre na época.
Cena da peça ‘Mistérios Gozosos’ de Zé Celso, em Araraquara
Cedoc EPTV/Arquivo
O dramaturgo e atores foram intimados a depor na polícia. Em sua defesa, Zé Celso defendeu o uso da banana para simbolizar o ‘corpo de Cristo’, dizendo que se trata de uma ‘fruta da terra do paraíso tropical e um totem da cultura brasileira’.
O caso foi parar na Justiça com a acusação de profanação de objetos religiosos e arquivado em fevereiro 1997 e depois em 1998. A primeira decisão foi comemorada pelo dramaturgo.
“Liberdade de expressão é pouco. É preciso mais, é preciso liberdade de produção. Esse juiz que rejeitou a denúncia abre um caminho muito importante. Nós vamos viajar pelo interior com uma peça que vai causar muito mais escândalo para pessoas que têm uma visão pequena do mundo”, disse Zé Celso em 1997.
Peça ‘Bacantes’ vetada
Em junho de 1997, a então presidente da Fundart de Araraquara, Martha Lupo Stella, vetou a apresentação da peça ‘Bacantes’ no município durante a Semana Luiz Antônio, após a polêmica com a peça de 1995. (relembre no vídeo abaixo).
Após polêmica, Fundart de Araraquara chegou a vetar peça de Zé Celso em 1997
A decisão gerou revolta e artistas do município afirmaram que se tratava de um boicote ao diretor.
“A peça não foi proibida, a Fundart, através do seu conselho e da prefeitura, não quer trazer, patrocinar e promover a peça do Zé Celso”, disse Martha em 14 de junho de 1997.
Depois de muita pressão, tanto da Câmara Municipal quanto da Unesp de Ararquara, que ameçou de tirar o apoio ao evento e não participar da Semana Luiz Antônio, a Fundart voltou atrás e permitiu que Zé Celso utilizasse o Teatro Municipal.
Zé Celso após apresentação da peça ‘Ela’ em Araraquara
Cedoc EPTV/Arquivo
Como a decisão foi de última hora, não houve tempo de manter a peça ‘Bacantes’ e Zé Celso levou os espetáculos “Ela” e “Pra dar um fim no juízo de Deus”.
“Eu estou muito feliz de ter feito, mas ao mesmo tempo triste por não ter feito com a perfeição que seria com o ensaio geral. Tudo foi contra, mas conseguimos estar aqui fazendo a Semana Luiz Antônio e a peça ‘Ela’ foi representada”, disse o dramaturgo na época.
Quem era Zé Celso
O dramaturgo, que nasceu em Araraquara, interior paulista, em 1937, é conhecido pela maneira excêntrica e ousada de montar suas peças de teatro e provocar a plateia.
Em junho deste ano, Zé Celso se casou com Marcelo Drummond, de 60 anos. Usando ternos brancos, o casal oficializou a relação de quase 40 anos em uma cerimônia no Teatro Oficina Uzyna Uzona, sede da companhia teatral criada pelo dramaturgo na região central de São Paulo.
Zé Celso iniciou a carreira no final da década de 1950 com duas peças de sua autoria: “Vento Forte para Papagaio Subir” e “A Incubadeira”. Sua influência artística foi além dos palcos, aparecendo também em obras do cinema, como “O rei da vela” e “25”.
Zé Celso morre aos 86 anos; relembre a carreira do dramaturgo
Sem medo de experimentações e com constante desejo de renovação, Zé Celso provocou atores e público, criando um teatro mais sensorial, sempre guiado pela realidade política e cultura do país.
Ele estudou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde participou do Centro Acadêmico. O diretor não concluiu o curso, mas foi durante seu período universitário que fundou o Grupo de Teatro Amador Oficina, no final da década de 1950.
Inquieto e irreverente, o artista se destacou com suas montagens de criações coletivas. Em 1961, o grupo ganhou uma sede na Rua Jaceguai, no Centro da capital paulista, e se profissionalizou, se tornando o tradicional Teatro Oficina. Desde 1982, o Teatro Oficina é tombado como patrimônio histórico. A companhia é considerada uma das mais longevas em atividade no Brasil.
José Celso Martinez Corrêa durante entrevista realizada no Teatro Oficina, em São Paulo, em imagem de setembro de 1995
Agliberto Lima/Estadão Conteúdo/Arquivo
Em 1964, Zé Celso levou ao palco a peça Andorra, que marcou sua transição do realismo para um teatro com uma postura mais crítica, inspirada no teatro épico do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.
Nesse período, Zé Celso viajou para a Europa para aprofundar seus estudos sobre Brecht. Anos após sua volta, o diretor levou o texto do alemão “Galileu Galilei” para os palcos do Oficina
Improviso no palco, provocações na plateia
Em 1966, a sede do teatro foi destruída por um incêndio provocado por grupos paramilitares. Para reconstrução do espaço, o grupo levantou fundos fazendo remontagens de antigos sucessos no palco.
No final da década de 1968, Zé Celso levou ao Rio de Janeiro sua primeira peça fora do Teatro Oficina. Na ocasião, ele dirigiu o histórico espetáculo Roda Viva, de Chico Buarque, com um tom provocador. O espetáculo ganhou remontagem em 2019.
Zé Celso e José Mojica Marins em ‘Encarnação do Demônio’
Divulgação
Na peça, os atores incitavam a plateia fisicamente, iniciando algo que se tornou uma marca nos trabalhos do diretor.
Com os trabalhos seguintes, Zé Celso foi aumentando ainda mais os projetos sensoriais, que estimulam os atores ao improviso e colocam a plateia em uma posição secundária.
Essas iniciativas de Zé em transformar a relação entre o palco e a plateia chegaram a se transformar em um movimento chamado de te-ato.
Exílio em Portugal
Os integrantes do Teatro Oficina foram perseguidos pelo regime militar. Em 1974, Zé Celso partiu para o exílio em Portugal depois de ficar detido por 20 dias e ser torturado. Durante o exílio, apresentou algumas peças e dirigiu o documentário O Parto, retornando para o Brasil em 1978.
Na década de 1980, Zé Celso ficou afastado dos palcos, se dedicando a pesquisas e a oficinas ministradas no espaço.
O ator/diretor Zé Celso, ao centro, e atores em uma campanha de obras para o Teatro Oficina em 1983
Geraldo/Estadão Conteúdo
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