
O dia 30 de novembro é uma data marcante na história recente de Santa Catarina e do Brasil. Mudou a política de comunicação do presidente João Figueiredo e alterou bruscamente a imagem do governo Jorge Bornhausen.

Mesmo cercado e sob protestos, Figueiredo quis tomar café no tradicional Ponto Chic, no Centro da Capital – Foto: Reprodução/ND
Figueiredo e Bornhausen iniciavam os respectivos mandatos, com apenas 11 meses de gestão. O general executava uma nova estratégia de comunicação, ideia do ministro Said Farhat, na campanha “João, o Presidente do Povo”, incluindo sua presença em locais populares nos centros históricos das cidades visitadas. A partir da Novembrada, em 1979, em Florianópolis, o projeto foi sepultado.
Jorge Bornhausen viveu um ano de grande prestígio político. Começou adotando medidas de impacto na educação, como os programas “Pó de Giz, Pó de Estrada”, e outros, concedendo gratificações e incentivos aos professores da rede estadual, com repercussão em todo o Estado. Anunciou projetos inovadores e empenhou-se na implantação da Sidersul, a usina siderúrgica, mobilizando todas as forças no governo federal.
A Novembrada não se restringiu aos confrontos entre o presidente João Figueiredo e os estudantes que protestavam contra o regime militar e suas últimas decisões, na manhã do dia 30 de novembro. A crise histórica se agravou com a decisão da prisão de sete estudantes e seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional. A reação das lideranças políticas, oposições e setores da sociedade civil foi imediata, e resultou em ato público dia 4 de dezembro, na frente da Catedral Metropolitana.
Os conflitos foram violentos entre estudantes, populares, parlamentares e tropas da Polícia Militar, incluindo o reforço da cavalaria para dispersar os manifestantes. E se estendeu até 17 de fevereiro de 1980, data do julgamento em Curitiba dos estudantes Adolfo Luiz Dias, presidente do Diretório Central dos Estudantes; Ligia Giovanella, acadêmica de medicina da UFSC, prestes a colar grau, vice-presidente do DCE; Marise Lippel, estudante de farmácia, também vice-presidente do DCE; Newton Vasconcellos Junior, acadêmico de medicina, líder do Centro Biomédico; Rosângela Souza, acadêmica de direito; Geraldo Barbosa, acadêmico de medicina; e Amilton Alexandre (Mosquito), estudante de administração.

Em meio aos protestos, jovens arrancaram placa que homenageava Floriano Peixoto – Foto: Reprodução/ND
Durante aqueles 67 dias a Novembrada predominou no noticiário político com destaque nacional. Os estudantes foram defendidos na auditoria da 5ª Região Militar, em Curitiba, pelos advogados Nelson Wedekin, Roberto Motta, José Carlos Dias, Evandro Lins e Silva e Renê Dotti.
No dia do julgamento, realizou-se um ato político com a presença dos senadores Jaison Barreto (SC), Franco Montoro (SP) e José Richa (PR), todos defendendo os universitários. No final do julgamento, veio a absolvição por 3 votos a 2.
A partir da Novembrada, Figueiredo cancelou visitas a pontos populares nas cidades. E Jorge Bornhausen amargou uma queda brusca de popularidade, perdendo até para o notório Paulo Maluf.
Teve que realizar um esforço político e administrativo extraordinário de recuperação. Teve sucesso, conquistando o mandato de senador pelo voto popular três anos depois e elegendo seu secretário Esperidião Amin governador de Santa Catarina. Com um detalhe: Jorge Bornhausen esteve ausente da campanha, permanecendo em Nova York para acompanhar o tratamento do filho com leucemia.

Mobilização estudantil ganhou adesão de populares, com faixas, xingamentos e palavras de ordem – Foto: Reprodução/ND
A origem das manifestações
Entre as principais causas dos conflitos que produziram a Novembrada podem ser destacados:
- Esgotamento do regime militar e crescimento dos movimentos políticos e populares pela revogação das leis autoritárias, liderados pela OAB, CNBB, ABI, entidades sindicais e estudantis. Era a luta pela redemocratização.
- O presidente Figueiredo, dias antes da visita, declarou que “preferia o cheio de cavalo ao cheiro de povo.”
- Uma placa de bronze, enviada pela Presidência da República, em homenagem a Floriano Peixoto, foi fixada ao lado da figueira da Praça XV de Novembro. E arrancada na véspera da visita pelos estudantes.
- A mais importante e antiga reivindicação de Santa Catarina era a instalação da Sidersul (Usina Siderúrgica no Sul), pela grande produção de carvão. Na semana anterior, o ministro da Indústria e Comércio, Camilo Penna, declarou que o pedido não seria atendido. Um gigantesco balão inflável escrito “João da Conciliação”, tido como provocativo, foi destruído durante a visita.
- Com o aumento do custo de vida, o anúncio de um almoço para 2.000 pessoas em Palhoça, em homenagem a Figueiredo e comitiva, pegou mal.
- O gesto do presidente Figueiredo da sacada do Palácio Cruz e Sousa, dirigindo-se aos manifestantes, foi entendido como obsceno, dando início aos xingamentos.
- O desatino de Figueiredo, descendo as escadarias do Palácio, aos gritos de “xingaram minha mãe” e “vou lá embaixo resolver na porrada”, acirraram os ânimos.
- O despropósito do presidente, ao insistir na visita ao Ponto Chic, onde os confrontos foram mais violentos
Livros resgatam fatos inéditos da Novembrada
Decorridos 45 anos da Novembrada, a maior crise política de sua administração, o ex-governador Jorge Bornhausen evita novos comentários e confirma integralmente os relatos publicados no livro do jornalista Luiz Gutemberg, de Brasília, intitulado “Quem é Jorge Bornhausen: Uma Biografia”, lançado em 2002 pela Editora Dédalo.
Este inédito depoimento foi transcrito no meu livro “Novembrada, um Relato da Revolta Popular”, lançado pela Editora Insular em 2005, com novas revelações dos estudantes presos, análise de bastidores e documentos dos protestos e do julgamento.
São informações preciosas sobre o que ocorreu dentro do Palácio Cruz e Sousa, presentes ministros de Estado, autoridades militares federais e estaduais, secretários catarinenses, senadores e deputados e lideranças empresariais.
Bornhausen testemunhou, anfitrião da primeira visita oficial ao Estado, sempre ao lado de Figueiredo, as impactantes reações do general presidente e suas declarações de causar perplexidades.
O episódio histórico é resgatado com decisões do Palácio do Planalto, da Casa Militar do Presidente e de movimentações da maior autoridade do Exército até hoje inexplicáveis.
Entre os fatores que agravaram a crise são enumerados:
- O gesto infantil do general Figueiredo, tentando minimizar o protesto estudantil, na calçada do jardim da Praça XV de Novembro, ao aproximar o polegar do indicador. Foi interpretado como gesto obsceno pelos manifestantes, que passaram a xingar o presidente: “Um, dois, três, quatro, cinco mil; Figueiredo vá para a puta que pariu”. O presidente reagiu com energia: “Xingaram minha mãe. Bornhausen, você é testemunha para a história.” E decidiu descer as escadas do Palácio para enfrentar os estudantes “na porrada”, expressão usada várias vezes.
- O governador sugeriu que, a partir do incidente, todos se dirigissem direto ao município da Palhoça, onde haveria uma churrascada em homenagem a Figueiredo. Ele insistiu em cumprir o programa do Planalto, seguindo ao Ponto Chic, o “Senadinho”, ponto tradicional do centro histórico, na esquina do calçadão da rua Felipe Schmidt com Trajano. Ali, deu-se um pesado conflito entre manifestantes e autoridades federais.
- Quando seguiu ao aeroporto para regressar a Brasília, dentro do carro oficial, Figueiredo comunicou ao governador que determinara a identificação dos estudantes e seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional. Outro equívoco que aprofundou a crise.
- Retornando ao Palácio da Agronômica, Bornhausen recebeu um telefonema do ministro Golbery do Couto e Silva, ao qual fez um relato circunstanciado e neutralizando intrigas na área militar que responsabilizavam o governador pelas ocorrências policiais.
- Quando os sete estudantes foram identificados e presos, o governador procurou o ministro da Justiça, Petrônio Portela, enfatizando a necessidade de sua liberação, para debelar a crise. A resposta foi um sono “Não!”
- Um mistério até hoje não esclarecido. O general José Maria de Toledo Camargo, comandante da 14ª Brigada de Infantaria Motorizada, e ex-secretário de Imprensa do presidente Ernesto Geisel, foi estranhamente designado para manobras militares em Dom Pedrito (RS), sem justificativa oficial. Estava ausente.
- A última solicitação de Bornhausen pela libertação dos presos foi feita pessoalmente ao comandante do 3º Exército, general Antônio Bandeira, considerado “linha dura”, quando se encontrava hospedado no Hotel Internacional de Gravatal. Bandeira disse que falaria com o ministro da Justiça.
Bornhausen atualiza análise da crise
Ouvido esta semana sobre a Novembrada, o ex-governador Jorge Bornhausen, concordou com a tese de que o episódio teria se encerrado com as manifestações do dia 30 de novembro, sem o agravamento que se aprofundou no mês de dezembro, com novos atos de repercussão nacional.
Arrastaram-se justamente pela prisão dos sete estudantes, causando novos confrontos entre a Polícia Militar e os protestantes na frente da Catedral Metropolitana, com amplo apoio das principais lideranças políticas e populares, e repercussão nacional ainda maior com a cobertura dos principais veículos de informação do eixo Rio-São Paulo-Brasília.
E lembra que tentou sepultar os diversos capítulos sucessivos da crise política, a partir do momento em que procurou conter o presidente Figueiredo dentro do Palácio, buscando dissuadi-lo da disposição de enfrentamento físico. E sucessivamente, com vários contatos com autoridades militares e civis, contra a prisão dos estudantes e seu enquadramento na Lei de Segurança Nacional.
Presidente João Figueiredo:
- “Bornhausen, você é testemunha para a História. Xingaram minha mãe!
- “Xingaram minha mãe, eu não admito!”
- “Vou lá embaixo resolver na porrada.”
- “Não mudaremos nada. Vamos seguir o programa.”