Ao g1, Damián Szifron fala sobre novo filme, sua falta de sociabilidade e a regravação de ‘O homem de seis milhões de dólares’ que nunca aconteceu: ‘Espero que o próximo seja bem mais rápido’. Shailene Woodley e Ralph Ineson em cena de ‘Sede Assassina’
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O ciclo de nove anos na vida do diretor argentino Damián Szifron é mais comum do que muitos imaginariam. Esse foi o tempo necessário para que ele lançasse seu novo filme, “Sede Assassina”, quase uma década depois de seu maior sucesso – e inegavelmente um dos mais populares da história recente do país –, “Relatos Selvagens” (2014).
A primeira tentativa do cineasta no comando de uma produção americana estreou nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (22). Estrelado por Shailene Woodley (“A culpa é das estrelas”) e Ben Mendelsohn (“Invasão Secreta”), o thriller retrata a busca por um assassino serial que ataca alvos aleatórios com um rifle de precisão.
Outros nove anos separam sua obra mais conhecida, que chegou a ser indicada ao Oscar de melhor filme em língua estrangeira, da comédia policial “Tempo de Valentes” (2005). Mas o que leva um dos jovens diretores mais populares de um país ficar quase mais uma década sem lançar qualquer tipo de trabalho novo, no cinema ou na TV?
Parte da explicação, segundo o próprio Szifron, vem de um paralelo entre ele e o antagonista de seu novo filme – batizado originalmente de “Misantropo”. Assim como o assassino, o cineasta tem uma certa aversão à vida em sociedade.
“Claro, há diferentes graus de misantropia, mas todos eles tendem a gostar de natureza, liberdade, tempo, espaço, silêncio, chuva, animais e natureza”, diz ele em entrevista ao g1.
“O que eles desgostam é da sociedade, basicamente. Então, nesse sentido, eu não diria que sou um, mas me sinto um pouco conectado, de certa forma.”
Por isso, passou grande parte dos últimos anos viajando com a família e escrevendo – muitos projetos que ele mesmo sabe que nem têm como serem desenvolvidos. Um deles, no entanto, aquele que seria sua estreia em Hollywood, nunca saiu do papel de uma forma bem pública.
“Nove anos é muito tempo. Eu não ignoro o fato de que levei uma eternidade para lançar outro filme, mas eu tentei fazer outro, ‘O homem de seis bilhões de dólares”‘ Passei dois ou três anos trabalhando nele, mas tive diferenças criativas gigantescas com o estúdio no final.”
Na entrevista, Szifrón explica melhor o que deu errado no projeto que seria estrelado por Mark Wahlberg (“Uncharted: Fora do mapa”), conta que dirigiu uma ópera em Berlim nesse tempo e explica melhor seus planos para as duas continuações de “Relatos Selvagens”.
Leia a conversa abaixo, editada para concisão e clareza:
Shailene Woodley, Jovan Adepo e Ben Mendelsohn em cena de ‘Sede Assassina’
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G1 – O que aconteceu com você nesses últimos nove anos, desde o lançamento de “Relatos Selvagens”? Eu sei que você escreveu “Sede Assassina” até antes de “Relatos”. Li uma entrevista sua no “Clarín” sobre isso e fiquei com a impressão de que você trabalha em “Sede Assassina” quase desde então. É isso mesmo?
Damián Szifron – Está certo, mas eu não trabalhei apenas em “Sede Assassina”. Basicamente, eu sou um roteirista e um diretor, mas a parte escritora toma conta, porque eu tenho muitas ideias diferentes para muitos projetos e costumo desenvolver muito mais projetos do que posso realmente gravar, por falta de tempo ou por não encontrar interessados em produzi-los.
Sempre tenho isso em mente, mesmo assim, continuo escrevendo e trabalhando porque eu curto de verdade o processo envolvido na escrita.
Sabe, meu novo filme se chama “Misantropo” (o título original do projeto, que recebeu outros nomes no Brasil e nos Estados Unidos). Claro, há diferentes graus de misantropia, mas todos eles tendem a gostar de natureza, liberdade, tempo, espaço, silêncio, chuva, animais e natureza.
O que eles desgostam é da sociedade, basicamente. Então, nesse sentido, eu não diria que sou um, mas me sinto um pouco conectado, de certa forma.
Passo muito tempo viajando e escrevendo. Escrevo muito tarde da noite. Normalmente, vejo o nascer do sol antes de ir para a cama. Então, eu acordo por volta das 14h, 15h. Minha vida é meio bagunçada desse jeito.
Mas eu gosto da minha liberdade e de viajar com minha mochila e meu computador. Ou meus cadernos. Gosto de escrever em cadernos, da sensação do papel e da caneta. Tudo isso.
Damián Szifron em coletiva de imprensa após indicação de ‘Relatos Selvagens’ ao Oscar em 2015
Rodrigo Abd/AP
Então, eu fiquei muito tempo fazendo essas coisas. Não sou do tipo de cara que gosta de filmar, filmar e filmar. Digo, quando termino um filme, não é como se eu estivesse morrendo de vontade de ir e filmar outro. Acordar às 5 da manhã, lidar com dinheiro, investidores, sindicatos e locações.
É como ir à guerra. Eu gosto de guerra, mas só de vez em quando.
Dito isso, nove anos é muito tempo. Eu não ignoro o fato de que levei uma eternidade para lançar outro filme, mas eu tentei fazer outro, “O homem de seis bilhões de dólares”. Passei dois ou três anos trabalhando nele, mas tive diferenças criativas gigantescas com o estúdio no final.
Porque ele começou na Weinstein Company, de Harvey e Bob Weinstein. Eu desenvolvi o filme e eles apoiavam a minha visão, mas o filme passou para uma outra empresa por causa do escândalo de Harvey.
O estúdio não ia produzir o tipo de filme que eu estava tentando fazer, e eu não ia dirigir qualquer filme baseado naquela marca. Queria fazer aquele no qual estava trabalhando, então ele entrou em colapso.
Eu então dirigi uma ópera em Berlim, na Ópera Estatal de Berlim com o Daniel Barenboim, e isso me tomou um tempo.
Damián Szifron na cerimônia de encerramento do Festival de Cannes 2023
Gonzalo Fuentes/Reuters
Depois, escrevi uns cinco ou seis roteiros, além de ter, você sabe, duas filhas. Minha família, minha esposa, nós nos mudamos de uma casa para outra casa. E daí tivemos a pandemia, certo?
E isso levou quase dois anos que eu já estava pronto para filmar “Sede Assassina”. Eu até estava no Canadá quando a pandemia foi declarada, então tive de voltar e ficar aqui por mais um ano e meio, para poder voltar, gravar, editar e lançar.
Então, foi isso. Em resumo, nove anos produtivos, mas eu espero que entre este filme e o próximo seja bem mais rápido (risos), porque vou gravar no final deste ano. É hora de recuperar o tempo que eu perdi.
G1 – Enquanto eu lia sobre “Sede Assassina”, senti ser quase um filme autoconsciente, porque é uma história sobre pessoas tentando fazer a coisa certa, fazer seus trabalhos corretamente, mas que são sempre atrapalhadas pelas instituições. Sinto que isso aconteceu contigo também.
Damián Szifron – Está completamente correto. A primeira versão do roteiro é de antes de todo o rolo de “O homem de seis bilhões de dólares”, mas, depois disso, eu reescrevi a história toda muitas vezes. Dessa vez, com o Jonathan Wakeham, que é britânico e que eu conheci no processo daquele outro filme.
O personagem que cresceu muito depois de toda essa experiência foi o de Ben Mendelsohn. De certa forma, eu diria que ele é meu alter ego dentro da trama do filme. Já o FBI funciona como uma espécie de metáfora das corporações americanas e a forma como o poder é disputado e o por que ele é disputado, no fim das contas.
Pegar esse assassino já é muito difícil, porque ele é diferente de todos os outros assassinos seriais que já existiram. A polícia não está preparada para pegá-lo. Ele é como se Jason Bourne ou John Rambo virassem do mal, e você não consegue parar um cara assim.
Então, isso já é bem difícil. Mas eu estava ainda mais interessado em contar todos os desvios, todas as coisas com as quais essa equipe deve lidar ou desperdiçar energia por causa de egos ou de disputas de poder superficiais e vaidade.
Para mim, isso é devastador para esse grupo de heróis. Porque eles gastam toda a sua energia para tentar fazer o que sabem fazer e pegar esse cara que eles já não sabem como pegar.
G1 – Você disse também que já está escrevendo dois novos “Relatos Selvagens”, com duas ideias para possíveis continuações. Como está sendo isso?
Damián Szifron – Eu te falei sobre muitas coisas nesses nove anos que se passaram. Mas uma dessas coisas é que eu viajo muito. Só de acompanhar o lançamento de “Relatos Selvagens”, fui ao Brasil, Dubai, muitos países na Europa, os EUA, México. Viajei ao redor do mundo. Acabei de voltar da China, onde fui divulgar “Sede Assassina”.
E, claro, eu vi coisas e aprendi sobre as idiossincrasias particulares de cada lugar. A maneira como as pessoas pensam e vivem. Há muitas coisas que se parecem com a Argentina e, ao mesmo tempo, muitas coisas diferentes e especiais.
É natural, para mim, pensar na continuação de “Relatos Selvagens” chamada “Planeta Selvagem”. Diferentes histórias, que acontecem em sociedades diferentes, faladas em múltiplos idiomas. Acho isso poderoso e poético. Então, uma das sequências é isso. E eu tenho muitas histórias que precisam acontecer em lugares e países diferentes. Faz muito mais sentido.
E tenho outra que é só uma continuação direta, mas não as mesmas histórias. Diferentes, mas que acontecem na Argentina, e isso me permitiria trabalhar com grandes atores que não puderam participar do primeiro.
Porque, não sei se você conhece o trabalho deles, mas o elenco de “Relatos Selvagens” é como um time dos sonhos na Argentina. Eles são todos muito populares e incríveis. Mas, claro, temos mais. E em uma continuação que acontece aqui me permitiria trabalhar com alguns atores com quem eu quero compartilhar um processo criativo e isso faria muito sentido.
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