Reconhecimento facial, sistema de revenda, NFT: As soluções contra cambistas na venda de ingressos


Cambistas usam robôs para chegar na frente na venda pela internet. Dentro e fora do Brasil, eventos testam alternativas para bloquear revenda de ingressos; veja perguntas e respostas. A pré-venda dos ingressos para os shows extras da turnê The Eras, da cantora Taylor Swift, começou nesta segunda-feira (19).
ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO
De todo o repertório melodramático de Taylor Swift, nenhuma letra fez fãs ficarem tão tristes quanto a venda de ingressos para os shows da cantora no Brasil.
A saga, que teve mais um capítulo nesta quinta-feira (22), foi marcada por filas virtuais intermináveis, entradas esgotando em poucos minutos e cambistas com estratégias sofisticadas. O mesmo dilema foi enfrentado, em casos recentes, por fãs de RBD e Coldplay.
O ato de comprar ingressos para revender depois, a um preço mais alto, é considerado crime contra a economia popular. O problema é antigo nas filas presenciais de bilheterias, mas, nos últimos anos, cambistas passaram a atuar também na venda de ingressos pela internet. Em alguns eventos, sistemas estão sendo adaptados para tentar combater a prática — mas nem sempre é o suficiente.
Abaixo, o g1 responde perguntas sobre as razões por trás da dificuldade para comprar ingressos de shows no Brasil, como agem os cambistas e o que está sendo feito para tentar coibir o crime.
Como funciona a fila virtual para compra de ingressos?
Como os cambistas atuam?
O que as empresas fazem para tentar evitar o problema?
Quais tecnologias podem ajudar?
Por que a maioria dos sistemas ainda não se adaptou?
O que pode acontecer com cambistas?
Como funciona a fila virtual?
Quando é liberada a venda de ingressos para um show como o de Taylor Swift, é enorme a quantidade pessoas que entram no site ao mesmo tempo, para tentar fazer a compra. Para organizar o processo e não sobrecarregar o sistema, as empresas formam filas virtuais.
Ao acessar a página, cada pessoa recebe uma senha, que indica sua posição na fila. Na venda de ingressos para os shows da cantora americana, a sequência chegou a ter mais de 1,5 milhão de usuários.
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Diferentemente do que alguns imaginam, a fila virtual não segue uma ordem rígida de chegada. Abrir o site muito antes do horário de início das vendas não adianta nada. No momento exato em que as entradas começam a ser vendidas, quem está on-line recebe senhas praticamente aleatórias.
“Nas últimas vendas, quem se conectou cinco minutos antes conseguiu entrar numa espécie de pré-fila”, explica o especialista em tecnologia e inovação Arthur Igreja, professor da Fundação Getúlio Vargas.
“Mas a ordem também depende de qual dispositivo a pessoa está usando, qual é a conexão, se é por cabo, Wi-Fi, 4G… Por isso, é um processo que tende a ser praticamente aleatório.”
Como os cambistas atuam?
Entre os mais de 1,5 milhão de usuários na fila virtual para comprar ingressos dos shows de Taylor, nem todos eram humanos. Para burlar o sistema, cambistas usam robôs, que se passam por compradores humanos, com login, senha e informações de CPF, endereço e pagamento. Arthur detalha a prática:
“Eles se organizam em verdadeiros times para aumentar as chances de conseguir ingressos. Os robôs automatizam as primeiras fases da compra. Ou seja, clicam mais rápido para participar da fila, para iniciar a compra e para preencher os dados.”
“Há uma série de softwares que ajudam a burlar o captcha, aquela verificação de que é uma pessoa que está tentando realizar a compra.”
O que as empresas fazem?
O captcha é mencionado pela Abrevin (Associação Brasileira das Empresas de Venda de Ingressos) como um dos recursos utilizados para tentar combater cambistas. Procurada pelo g1, a entidade ainda citou:
A limitação de compra de ingressos por CPF;
Emprego de cadastramento prévio para a venda, com validações de cadastro e dados pessoais;
Limitação de pedidos simultâneos realizados em um período diário;
Uso de filas virtuais com tempo limite para a aquisição de ingressos daqueles que estão no momento de compra;
Utilização de plataformas antifraude;
Comunicação aos clientes e sociedade com alertas sobre a compra em canais não oficiais e perigos na compra de ingressos revendidos.
Em comunicado sobre o tema, a Abrevin diz que o problema do cambismo tem sido enfrentado em grandes turnês no mundo todo, não só no Brasil.
“O Brasil, neste sentido, sofre com os mesmos problemas de Estados Unidos e Europa. Temos acompanhado e implementado as melhores práticas destas regiões.”
Quais tecnologias podem ajudar?
Ao redor do mundo, alguns eventos têm implementado outras soluções para lidar com a prática. Em Copas do Mundo e outros eventos do futebol mundial, a Fifa usa uma plataforma oficial de transferência e revenda de ingressos.
Quem compra entradas têm a opção de revendê-las no sistema. A própria Fifa determina o preço — que pode ser maior ou menor que o valor original, a depender da demanda. Dessa forma, a federação consegue evitar que, ao negociar com cambistas, o público assuma o risco de adquirir ingressos falsos.
Também no futebol, clubes estudam substituir ingressos por reconhecimento facial na entrada de estádios, em meio a um debate sobre vigilância. A alternativa foi testada pelo Manchester City, do Reino Unido, e pelo Brøndby IF, da Dinamarca. Mas o procedimento passou a ser criticado por organizações de defesa da privacidade, após surgirem suspeitas de que a tecnologia foi usada para identificar e punir torcedores indisciplinados.
No Brasil, o reconhecimento facial foi implementado em 2023 pelo Palmeiras, para entrada no Allianz Parque, estádio do clube em São Paulo. Ao comprar o ingresso, o torcedor cadastra uma foto do próprio rosto, que é associada às informações do ingresso. Na entrada do estádio, ele passa por um aparelho de reconhecimento e, se o rosto for o mesmo, a entrada é liberada.
Outra alternativa testada por grandes eventos é a tecnologia NFT, uma espécie de certificado de propriedade digital, que garante a autenticidade e exclusividade do ingresso.
Nesse caso, os ingressos viram 100% digitais, com um único token (sistema gerador de senhas, como o usado por aplicativos de bancos) associado a cada um deles. Todas as transações feitas com o token ficam registradas em uma rede, a blockchain.
Dessa forma, as empresas conseguem ter controle sobre todos os passos do NFT: quem foi a primeira pessoa a comprar, quando comprou, quanto pagou, se revendeu o ingresso e por qual valor. Através da rede, os organizadores do evento também podem definir regras para revenda ou bloquear esse tipo de operação.
O Festival de Cinema de Tribeca, que aconteceu entre 7 e 18 de junho em Nova York (EUA), vendeu ingressos em NFT para acesso a festas, premiações e exibição de filmes. A turnê de despedida dos palcos do cantor Milton Nascimento também teve parte das entradas feitas com essa tecnologia. Quem comprou os ingressos NFT para as apresentações teve direito a vantagens, como acesso a uma sessão especial com o músico, restrita a convidados.
Por que a maioria dos sistemas ainda não se adaptou?
Na grande maioria dos casos, sistemas de venda de ingressos mudaram pouco nos últimos dez anos. Arthur Igreja, professor da FGV, acredita que falta vontade às empresas.
“Acredito que é um problema atrelado ao fato de que a demanda é muito grande. As empresas sabem que vão conseguir vender todos os ingressos, que vão conseguir o faturamento que esperam com aquele evento.”
“Não há um real incentivo pra melhorar o serviço prestado. Por isso, muitas vezes os sites caem, acontecem problemas na formação da fila. Em alguns casos, a pessoa consegue passar na fila, mas, quando vai efetuar a compra, acontece algum problema e ela não consegue”, conclui.
O que pode acontecer com cambistas?
Na lei brasileira, não existe o crime de cambismo. Mas a prática é enquadrada pela Justiça na Lei nº 1.521, sobre crimes contra a economia popular. A revenda de ingressos por preços abusivos pode render pena de seis meses a dois anos de detenção, além de multa.
Com os casos recentes, a deputada federal Simone Marquetto (MDB-SP) apresentou um projeto de lei para tornar a legislação mais específica ao lidar com o cambismo na venda de ingressos para eventos culturais. A ideia é aumentar a pena para até quatro anos de detenção. A proposta foi apelidada de “Lei Taylor Swift”.
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