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O julgamento do rompimento da barragem de Mariana no Reino Unido, iniciado em outubro de 2024, deve entrar em fase final em março deste ano. Esse é um dos muitos casos recentes em que vítimas de desastres ambientais no Brasil recorrem à justiça no exterior em busca de reparação.
Os afetados pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, ocorrida em Brumadinho (MG) , em janeiro de 2019, também moveram uma ação fora do país, pedindo responsabilização criminal da matriz da empresa TUV SUD e de dois de seus funcionários, no sistema de justiça da Alemanha.
Caso a caso
Não é possível especificar em quais situações a justiça de outro país pode ser acionada. É necessário avaliar cada situação, até porque há ações de pessoas físicas e jurídicas. No caso desta última, de iniciativa de governos locais.
Antonio Carlos de Freitas Jr., Doutor em Direito Constitucional pela USP, professor do Centro Universitário Fundação Santo André e sócio do AC Freitas Advogados, explicou, em entrevista ao iG, que nos casos dos dois desastres ambientais, é necessário que o país permita esse tipo de procedimento judicial.
Segundo ele, o exemplo mais simples de ação movida por um brasileiro em outro país é quando ele sofre algum tipo de lesão ou violação em território estrangeiro, em ato praticado por cidadão daquele país. “Nesses casos, é certo que o brasileiro deve recorrer ao Judiciário daquele país”, afirma.
No entanto, os casos ocorridos no Brasil envolvendo empresas estrangeiras são mais discutíveis. “É necessário avaliar a legislação do país em que se localiza a referida empresa estrangeira, de modo a analisar se cidadãos ou entidades de outros países são partes legítimas para propor ações naquele território, não havendo uma regra geral sobre o tema”, explica o doutor em Direito Constitucional.
“É possível que países aceitem ações de cidadãos, mas não de entidades públicas estrangeiras, por exemplo”, comenta.
Ações no exterior de iniciativa do poder público
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Há também processos judiciais de iniciativa dos municípios atingidos pelos desastres, mas existem controvérsias sobre a legalidade desse tipo de ato.
“Atualmente tramita no Tribunal a ADPF 1178, a qual visa discutir, entre outros, a legalidade de municípios ingressarem com ações no exterior”, diz o especialista.
No final de 2024, o STF, em decisão do Ministro Flávio Dino (ADPF 1178), decidiu suspender o pagamento de honorários advocatícios dos municípios a escritórios estrangeiros.
O entendimento foi que os valores destinados aos escritórios seriam, na realidade, parte das indenizações a serem recebidas pelos cidadãos brasileiros afetados.
A medida se baseou em julgamentos anteriores da Corte que definiam que a administração pública não poderia firmar esses tipos de contratos com escritórios de advocacia.
Ação em Munique
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Em entrevista ao Portal iG, o advogado Danilo Chammas, presidente do Instituto Cordilheira, membro do “Conselho Diretivo do Centro pela Justiça e o Direito Internacional” e integrante da equipe jurídica dos familiares da tragédia e Brumadinho, explicou os processos judiciais na Alemanha.
O advogado faz parte da ação movida nos tribunais alemães para responsabilizar a empresa alemã TÜV Süd, cuja filial brasileira foi contratada pela Vale para avaliar a barragem. “Existem provas contundentes de que algumas pessoas tinham conhecimento sobre a situação de risco da barragem e tomaram conscientemente a decisão de ocultar essa informação”, afirma.
Chammas explica que existem investigações conduzidas pela Procuradoria criminal de Munique que foram abertas a partir de uma queixa, entregue em outubro de 2019, por cinco familiares de vítimas da tragédia.
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“O objetivo de termos trabalhado para a apresentação dessa queixa na Alemanha é que a responsabilização criminal alcance também a matriz da TÜV SÜD, sediada em Munique, além de dois de seus funcionários que, pelo que foi apurado, contribuíram de maneira decisiva para os fatos criminosos cometidos”, argumenta.
O especialista em Direito Internacional destaca também que o trabalho da AVABRUM (associação dos familiares de vítimas e atingidos pela tragédia de Brumadinho) é o principal ator envolvido na luta por justiça criminal referente ao caso, tanto nas cortes nacionais quanto no exterior.
Rompimento da barragem em Brumadinho
No dia 25 de janeiro de 2019, a barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), rompeu e despejou uma grande quantidade de lama tóxica que devastou toda a região. A onda de rejeitos da mineradora Vale matou mais de 270 pessoas, entre trabalhadores e moradores de Brumadinho, e deixou diversos desaparecidos. O desastre também causou sérios danos ambientais, afetando a fauna, flora e o rio Paraopeba.
As investigações sobre o desastre revelaram falhas nos sistemas de monitoramento e segurança da barragem, além de problemas relacionados à gestão e à negligência das autoridades e da empresa, que foram responsabilizadas pela tragédia.
Rompimento de barragem em Mariana
A tragédia de Mariana (MG), um dos maiores desastres ambientais do Brasil, aconteceu no dia 5 de novembro de 2015. Ela foi provocada pelo rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Samarco, um empreendimento conjunto entre a Vale e a BHP Billiton.
Ao se romper, a barragem liberou milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, inundando a região e afetando diversas cidades ao longo do Rio Doce.
O desastre causou a morte de 19 pessoas e devastou a fauna, flora e zonas hídricas da área. Milhares de pessoas perderam suas casas, e a economia local foi gravemente prejudicada. As empresas envolvidas enfrentam ações judiciais e cobranças sobre a tragédia.
O processo no Reino Unido se iniciou a partir de uma ação feita por investidores britânicos contra a Samarco, alegando que não foram cumpridas medidas de segurança. A BHP Bolliton, uma das responsáveis, é uma empresa australiana, mas que tem sede no Reino Unido.