VÍDEO: brasileiro resgatado de tráfico humano em Mianmar fala pela primeira vez após fuga: ‘Estamos bem’


Luckas Santos e Phelipe Ferreira aceitaram promessas falsas de emprego e acabaram vítimas de tráfico humano; eles eram escravizados por uma máfia de golpes cibernéticos. Famílias moram na capital paulista e aguardam retorno dos dois. Brasileiro resgatado de tráfico humano em Mianmar fala pela primeira vez após fuga 
O brasileiro Phelipe de Moura Ferreira, de 26 anos, que estava sendo mantido refém havia mais de três meses por uma máfia de golpes cibernéticos em Mianmar, no Sudeste Asiático, publicou um vídeo pela primeira vez nas redes sociais nesta sexta-feira (14) para avisar que está bem e logo volta ao Brasil.
“Sou eu Phelipe. Só avisando para vocês que eu e Luckas estamos bem. A gente está aguardando nossa repatriação aqui na base militar da Tailândia. Logo a gente volta. E só passando para agradecer também todo mundo que orou por nós, que rezou por nós, que torceu por nós. Sem a oração de vocês, sem a ajuda de vocês, a gente não teria conseguido”, disse.
Phelipe e o brasileiro Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, conseguiram fugir do local onde estavam sendo escravizados ao lado de centenas de imigrantes e foram resgatados com a ajuda da ONG internacional “The Exodus Road” no último domingo (9).
Os dois aceitaram promessas falsas de emprego em 2024 e acabaram sendo vítimas de tráfico humano em KK Park, Mianmar. O local é considerado uma “fábrica de golpes online” e ambos foram escravizados para aplicarem golpes.
Brasileiro Phelipe de Moura Ferreira publicou vídeo pela primeira vez nas redes sociais
Arquivo Pessoal
A fuga foi combinada pelos reféns, que conseguiram avisar familiares e ativistas sem que fossem descobertos pelos mafiosos, que monitoravam tudo.
Após fugirem, eles foram detidos por agentes do DKBA (Exército Democrático Karen Budista) e, na sequência, levados para um centro de detenção. Três dias depois, foram transferidos para a Tailândia, onde aguardam a embaixada brasileira para que possam ser repatriados.
O g1 elaborou uma linha do tempo que destaca os principais acontecimentos do caso. Veja abaixo:
Outubro de 2024
Brasileiros reféns de criminosos cibernéticos não conseguem voltar ao Brasil
A mãe do paulistano Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, conta que o filho tem amigos na Ásia e recebeu uma proposta de um deles que morava na região para trabalhar em um cassino nas Filipinas no começo de 2024.
Luckas foi para lá, começou a trabalhar no cassino, mas meses depois o estabelecimento fechou. Como não tinha dinheiro para voltar ao Brasil, ele procurou por outras oportunidades de trabalho pela região.
Foi quando recebeu pelo Telegram o convite para trabalhar na área da tecnologia em Mae Sot, cidade tailandesa que faz fronteira com Mianmar. A viagem foi marcada para 7 de outubro.
“Ele falou que ia para Tailândia que lá era mais barato e que o dinheiro que tinha dava pra ir pra lá. Estranhei o primeiro telefonema porque ele disse que não estava bem”, afirmou Cleide Viana, em entrevista ao Fantástico em dezembro de 2024.
Luckas acabou sendo levado pelos mafiosos para KK Park, em Minamar, e passou a ser escravizado pela máfia de golpes cibernéticos, sendo obrigado a aplicar golpes.
Novembro de 2024
Já o outro paulistano, Phelipe de Moura Ferreira, foi feito refém em novembro de 2024.
O pai dele Antônio Ferreira, conta que o filho já havia trabalhado em 2023 em Laos, no sudeste da Ásia, em Dubai, nos Emirados Árabes e em Filipinas. Em 2024, ele retornou ao Brasil e teve uma proposta de emprego no Uruguai. Então, decidiu sair novamente do país para trabalhar fora.
Quando estava no Uruguai, ele recebeu pelo Telegram uma proposta de emprego na área da tecnologia na Tailândia. “Essa suposta empresa comprou a passagem dele para Tailândia, do Uruguai para Tailândia”, diz o pai.
Jovens brasileiros conseguem fugir de rede de tráfico de pessoas
E
Phelipe relatou, na época, que um motorista ia pegá-lo no hotel. Foi esse motorista que o levou para a área em Mianmar, onde se tornou refém com outros imigrantes, sendo obrigado a aplicar golpes. O local é o mesmo onde Luckas já estava. Os dois, até então, não se conheciam.
Dezembro de 2024
Phelipe ficou semanas sem dar notícia, até que conseguiu se comunicar no começo do mês sem que ninguém descobrisse, já que tudo era monitorado pelos criminosos.
“Eu estava desesperado. Eu liguei para a polícia, e a polícia falou: “Seu Antônio, o senhor tem que procurar a embaixada do Brasil ou Itamaraty. Aí eu liguei para o Ministério de Relações Exteriores e eles me passaram o WhatsApp e o contato da Embaixada do Brasil lá em Mianmar. Disseram que ia resgatar ele, mas isso se percorreu por dias e nada. Não fizeram mais nada, nada mesmo”, disse Antônio.
Luckas Viana dos Santos e Phelipe de Moura Ferreira estavam há mais de três meses sendo vítimas de tráfico humano no Sudeste Asiático
Reprodução/Fantástico
Luckas também conseguiu se comunicar com a família em dezembro. A mãe dele passou a divulgar o caso nas redes sociais pedindo ajuda. Ela ressalta também a falta de ajuda por parte do Ministério das Relações Exteriores.
“Meu filho aceitou uma vaga de emprego e foi levado para serviço escravo em Mianmar, dia 8 de dezembro um dia antes do meu aniversário, o chefe pediu 20 mil dólares. Peço a oração de todos , meu filho não está bem, está sendo punido por não conseguir aplicar golpes”, escreveu nas redes sociais a mãe de Luckas, na época.
As duas famílias passaram, então, a ser assistidas pela ONG The Exodus Road”, organização civil internacional de combate ao tráfico de pessoas, e também se conheceram para se ajudarem.
O primeiro contato com a ONG foi feito em 11 de dezembro pela família de Phelipe.
“Graças a Deus que a Polícia Federal me passou o contato para esse anjo chamado Cíntia Meireles, que é da ONG Exodus. Ela imediatamente já ligou para mim, já orientou a gente, coisa que a embaixada do Brasil não fez, e nem o Ministério de Relações Exteriores fez. De lá pra cá tivemos esperança de encontrar nosso filho”, afirmou Antônio, pai de Phelipe, ao g1.
15 de janeiro de 2025
Em 15 de janeiro deste ano foi feita uma reunião entre integrantes da ONG “The Exodus Road” com representantes do governo de Mianmar e da Tailândia para a liberação de 371 vítimas de tráfico de pessoas, entre elas os dois brasileiros.
Uma lista feita pelos integrantes da organização, reunindo as nacionalidades das centenas de vítimas, foi apresentada às autoridades.
8 de fevereiro de 2025
Phelipe de Moura Ferreira avisou o pai que tentaria a fuga no último sábado (8) junto com outros imigrantes.
Nas mensagens, às quais o g1 teve acesso, ele contou que ia cruzar um rio com outras 85 pessoas e correr por dois quilômetros. Phelipe pediu orações e ainda se despediu caso algo acontecesse com ele.
“Ora por mim e pede para minha vó, Iorrana e todo mundo orar por nós para que tudo dê certo. São 85 pessoas. Eu só quero que tudo dê certo. Eu te amo, pai. Se acontecer algo comigo, saiba que eu tentei ao máximo”, escreveu.
Luckas Viana também avisou a família. E na sequência, ativistas foram informados sobre a fuga e já se mobilizaram em relação às documentações que comprovassem que os dois eram vítimas de tráfico humano.
Prints mostram conversa de brasileiro vítima de tráfico humano com o pai antes de fugir
Arquivo Pessoal
9 de fevereiro de 2025
Phelipe e Luckas conseguiram fugir entre a noite de sábado (8) e madrugada de domingo (9) com centenas de imigrantes. Os detalhes de como conseguiram fugir não foram divulgados.
Quando fugiram, acabaram sendo detidos por agentes do DKBA (Exército Democrático Karen Budista). O grupo, que é formado por rebeldes dissidentes das Forças Armadas de Mianmar, encaminharam todos a um centro de detenção local após negociações com a ONG Exodus Road.
A ONG confirmou a eles a fuga dos brasileiros e outros estrangeiros de 21 países feita no último sábado, apresentando a lista e informações.
“Essa operação da DKBA [de deter os brasileiros] é uma operação pontual onde eles vão libertar essas 371 vítimas. Eles já estavam na lista de vítimas”, explicou Cíntia Meireles, diretora da ONG, ao g1.
Luckas Viana dos Santos e Phelipe de Moura Ferreira estavam há mais de três meses sendo vítimas de tráfico humano no Sudeste Asiático
Arquivo Pessoal
12 de fevereiro de 2025
Phelipe, Luckas e outros imigrantes foram transferidos para um centro de detenção em Mae Sot, cidade tailandesa que faz fronteira com Mianmar, onde estão sendo feitos procedimentos para comprovarem que são realmente vítimas de tráfico humano.
Os dois entraram em contato com as famílias e passam bem. Eles aguardam a embaixada brasileira os retirarem do centro de detenção para conseguirem ser repatriados.
“No caso deles, a gente já tem toda a documentação. É um procedimento legal e em 15 dias eles serão liberados. Tendo a liberação, eles vão ser encaminhados para a embaixada que deve, aí sim, cumprir o repatriamento que foi já solicitado pela dona Cleide [mãe de Luckas] e pelo senhor Antônio [pai de Phelipe] junto a DPU, que é a carta de hipossuficiência com pedidos de repatriamento de vítimas de tráfico no exterior”.
Brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar já estão na Tailândia
13 de fevereiro de 2025
O pai de Phelipe de Moura Ferreira contou ao g1 que fez videochamada com o filho na manhã desta quinta-feira (13) e viu as marcas das agressões que ele sofreu.
“Ele ligou para mim e mostrou o machucado dele. Está com perna toda vermelha, braço todo vermelho, de tanto choque e paulada que levava lá. Aqueles malditos”, afirmou Antônio Carlos Ferreira.
Conforme Antônio, ele foi avisado nesta quinta-feira (13) que no sábado (15) a embaixada brasileira irá retirar Phelipe e Luckas da base militar onde estão em Mae Sot, Tailândia, e irá levá-los para Bangkok.
“Ainda não temos previsão de quando vai vir pro Brasil, mas o que já sabemos é que logo serão retirados da base de onde estão pela embaixada. Depois vai ser feito o processo de repatrição”, afirmou.
A mãe de Luckas também foi informada na quinta-feira (13) sobre essa retirada que será feita pela embaixada e se diz aliviada. “Ele me ligou na madrugada e está bem, graças a Deus. E agora eu estou bem”, afirmou Cleide Viana.
Brasileiros vítimas de tráfico humano são entregues ao governo tailandês
O que diz o Itamaraty
“O Itamaraty tomou conhecimento, com grande satisfação, da liberação hoje, 11/2, de dois brasileiros vítimas de tráfico de pessoas na fronteira entre Myanmar e Tailândia.
O Itamaraty, por meio de suas Embaixadas em Yangon, no Myanmar, e em Bangkok, na Tailândia, vinha solicitando os esforços das autoridades competentes, desde outubro do ano passado, para a liberação dos nacionais. O tema foi também tratado pela Embaixadora Maria Laura da Rocha, na ocasião na qualidade de Ministra substituta, durante a IV Sessão de Consultas Políticas Brasil-Myanmar, realizada em Brasília, em 28 de janeiro último. Em suas gestões, a Embaixadora Maria Laura da Rocha reforçou a necessidade de esforços contínuos para localizá-los e resgatá-los.
O setor consular do Itamaraty manteve, ainda, contato permanente com as famílias.
A proteção de nacionais vítimas de tráfico e contrabando de pessoas no exterior tem sido uma prioridade da política consular brasileira.
Em um esforço de conscientização de brasileiros que buscam oportunidades de emprego no exterior, o Itamaraty tem ativa participação no IV Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Pessoas, no âmbito do qual produziu guias on-line sobre tráfico de pessoas (https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/cartilhas/trafico-de-pessoas) e sobre os perigos específicos das ofertas de emprego no Sudeste Asiático (https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular/alertas%20e%20noticias/alertas/myanmar-aliciamento-de-brasileiros-contratos-de-trabalho/folheto_orientacao-repatriacao-e-retornados.pdf).
O Portal Consular do Itamaraty (https://www.gov.br/mre/pt-br/assuntos/portal-consular) alerta sobre o aumento do número de caso de recrutamento de brasileiros para trabalho em plataformas digitais de apostas, na Ásia, em condições migratórias e laborais precárias. Ademais, o Itamaraty coopera, dentro de suas competências, com as ações do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal.
Em atendimento ao direito à privacidade e em observância ao disposto na Lei de Acesso à Informação e no decreto 7.724/2012, o Ministério das Relações Exteriores não fornece informações sobre casos individuais de assistência a cidadãos brasileiros”.
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