“Se você quiser entender os defeitos mais profundos dos sistemas, preste atenção às regras e a quem tem poder sobre elas.” — Donella Meadows
Lamento informar, mas pouco importa se somos a favor ou contra a legalização de drogas, armas, prostituição, aborto ou morte assistida. O ponto crucial que nos reúne aqui são as consequências sistêmicas de cada decisão política. Afinal, não viveremos de ideologias ou narrativas: viveremos dos efeitos concretos que as escolhas de hoje produzirão no amanhã.
Comecemos pela proibição. Deslegitimar algo por decreto não assegura sua extinção. Tomemos como exemplo a realidade brasileira: bordéis são ilegais, mas a aplicação da lei beira a inexistência. Ou tomemos outros países em que estabelecimentos clandestinos operam com a cumplicidade de agentes oficiais, pagos para fazer vista grossa.
Dir-se-ia, porventura, que a falha advém da falta de recursos. Ainda assim, o exemplo dos Estados Unidos na guerra contra as drogas — um trilhão de dólares em meio século — não conseguiu suprimir a oferta nem domar a demanda, que continua a movimentar centenas de bilhões de dólares por ano. Talvez a solução radical seja seguir o modelo de Singapura, impondo a pena de morte aos traficantes; mas por que as grandes democracias não adotaram tal regra?
Perguntemo-nos: o que resultará, de fato, ao impor proibições de qualquer espécie, em qualquer local ou época? A única certeza é que, por mais nobres as intenções, estaríamos apenas outorgando ao Estado mais instrumentos de coerção contra seus próprios cidadãos. Quando um lunático ascender ao poder — e a História nos ensina que isso não é mera hipótese —, esses recursos, que deveriam servir ao bem, passarão a garantir a manutenção de tiranias, oprimir dissidentes, enriquecer oligarquias e impor visões de mundo.
Antes de brandirmos boas intenções, convém medir as consequências. Proibir não é panaceia. E se, por outro lado, tudo fosse permitido? Nem o mais fervoroso liberal haveria de querer um vizinho com armas de destruição em massa. Logo, a questão não é apenas sobre permissão irrestrita, mas sobre os critérios e mecanismos que assegurem a aplicação correta das normas para obter o resultado almejado.
Vejamos o caso das drogas: a Lei Seca nos Estados Unidos, em vez de inibir o álcool, alimentou o crime organizado. Sua revogação minou as bases do contrabando e redirecionou recursos públicos para educação, fiscalização e redução de danos. A legalização pode, em muitos casos, libertar o debate e evidenciar as causas profundas, permitindo políticas mais sábias. Da mesma forma, legalizar o aborto não equivale a multiplicá-los — pode, na verdade, abrir caminhos para reduzi-los, pois o que está à luz do dia torna-se mais fácil de enfrentar do que o que se esconde nas sombras.
Trago o exemplo de Yom Kipur, em Israel, dia sagrado em que as ruas ficam vazias de automóveis, sem que haja uma só lei proibindo-os de circular. É a força da cultura que mantém o costume, não a coerção estatal. Como sociedade, precisamos aprender a lidar com nossas divergências não pela força, mas pelo estabelecimento de valores coletivos. Pois, cedo ou tarde, poderá ocorrer a tragédia de um governante que discorda de nós assumir o poder; e certamente não queremos que ele tenha em mãos um aparato repressivo ilimitado.
É evidente que há ocasiões em que o uso da força estatal se faz indispensável — assassinos, estupradores e organizações criminosas não devem encontrar guarida. Contudo, o poder de coerção deve ser estritamente necessário e jamais total. O equilíbrio é vital para preservar a liberdade individual.
Entretanto, o excesso de leis, regulamentos e normas acumula-se até formar um labirinto em que ser honesto se torna penoso, enquanto quem age de má-fé ganha vantagem competitiva. Nesse jogo, os justos recuam, os ímprobos avançam. Que destino nos aguarda após uma ou dez décadas de incentivos tão tortuosos?
Proibir deve ser a última cartada — e, se adotada, que venha com prazo para expirar, permitindo reavaliações periódicas. Já a permissão oferece a oportunidade de medir efeitos concretos, desvendar causas fundamentais e aperfeiçoar políticas. Novas leis devem ser experimentadas em contextos menores, com observação empírica, antes de serem impostas a populações inteiras. Acima de tudo, é imperativo limitar e distribuir o poder, para que nenhum tirano encontre solo fértil, ao passo que tornamos nossas vidas mais livres e seguras.
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