Negociação envolve direito de uso de propriedades da União e regras são rigorosas. Ilha dos Práticos é conhecida como Ilha da Xuxa, no Espírito Santo.
Foto: Luxury Properties/Divulgação
Foi a partir de um boato de que a rainha dos baixinhos queria comprar uma ilha no Espírito Santo que a Ilha dos Práticos — ou Ilha da Baleia — virou, para os capixabas, a “Ilha da Xuxa”. A história, que jamais confirmada, criou uma mística sobre o local, que voltou a ser alvo de especulações — especialmente imobiliárias — na última semana, desde que uma corretora anunciou que o local está à venda por R$ 35 milhões.
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Mas seja entre os que têm “cacife” para ser um possível comprador ou entre os sonhadores que ficam imaginando o que fariam se fossem milionários, a pergunta que se impõe é: é possível ser dono de uma ilha no Brasil?
O g1 foi atrás e descobriu que a resposta é: NÃO. … mas dá para ser o dono do direito de usar a ilha. São coisas diferentes. Vamos explicar.
Todas as ilhas são de propriedade da União. Mas é possível ter uma autorização de uso do local, o que torna o titular o administrador do terreno e dá o direito de construir imóveis e usar a área como privada, desde que pague algumas taxas e receba autorização dos órgãos competentes.
A advogada civilista Dyna Hoffmann explicou que o que está sendo negociado é justamente a transmissão do direito de uso do espaço, e não uma venda propriamente dita do terreno da ilha.
“Não existe ilha privada, a ilha é da União, não só essa, como todas as ilhas e áreas de praia são da União, que pode conceder um direito de uso, de ocupação, daquele lugar. Então, o que você negocia é a transferência dessa cessão que foi dada para você ocupar aquele espaço que é público”, disse.
Mansão na Ilha da ‘Xuxa”, no litoral do Espírito Santo
Luxury Properties/Divulgação
De acordo com a advogada, neste caso, o valor da negociação é estabelecido pelo mercado, mas cabe à União transferir a transmissão do direito de ocupação.
“Você até pode fazer uma transmissão do direito de uso do espaço, mas não é uma compra e venda simples, como a de um apartamento. O valor é estabelecido pelo mercado, mas o procedimento de transmissão vai passar pela União, que vai incidir os impostos no valor da transmissão do direito. Ou seja, o que está sendo negociado pela imobiliária é o valor para transferir o direito de uso e não o valor da ilha”, apontou Dyna.
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Da mesma forma, existe uma série de cuidados relacionados ao uso do local por quem tiver o direito de uso concedido, como quais vão ser as construções feitas na ilha, a proteção da mata nativa, a destinação de esgoto, entre outros.
“A pessoa sempre vai precisar de autorização da União. Para construir, tem que apresentar projeto, eles precisam aprovar, existem as questões ambientais, uma série de condições. E ainda participação da Marinha, que faz a fiscalização náutica. Todo o processo começa dentro da Secretaria de Patrimônio da União, que vai ter todas as ilhas mapeadas e a pessoa que demonstra o interesse precisa falar qual seria o uso”, pontuou Dyna.
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A advogada esclareceu que esse direito de uso pode ser rescindido, uma vez que, não se trata de uma propriedade particular e sim pública. “Existe todo um procedimento, não é de um dia para o outro, mas, se a União decidir, pode notificar a pessoa e revogar o direito de uso”.
Dyna explicou que todas essas regras são federais, valem para outras ilhas em todos os outros estados do Brasil.
Uso das praias
Ilha da ‘Xuxa”, no litoral do Espírito Santo
Luxury Properties/Divulgação
Mesmo antes do anúncio da “venda” ganhar repercussão, a ilha já foi alvo de polêmica em outros momentos, devido ao acesso às praias, que são consideradas espaços públicos.
“Assim como as ilhas, você também não pode impedir que as pessoas tenham direito às praias. São instrumentos públicos”, falou Dyna.
No último dia 11 de janeiro, por exemplo, o Ministério Público Federal (MPF) pediu que a Justiça Federal aplicasse uma multa de R$ 10 mil ao administrador legal do local por intimidar banhistas que tentavam frequentar os balneários.
Caso o homem não cumpra as medidas determinadas, o órgão solicitou o valor vá para R$ 20 mil. O MPF não divulgou o nome do administrador da ilha, mas, no ano passado, a Justiça Federal condenou o empresário João Carlos Rodrigues Neto após denúncias de que ele coagia quem tentasse frequentar o local desde 2021.
O g1 conversou com o filho do empresário João Carlos Rodrigues Neto. Segundo Fabrício Rodrigues, ele não tem conhecimento de que os seguranças intimidam os banhistas.
“Sei que as pessoas são chamadas à atenção quando tentam ultrapassar o limite da área pública. Quando entram na área particular, o segurança aborda e informa que não podem passar daquele ponto. A praia é pública, mas, de acordo com a lei, as pessoas não podem levar comida, animais de estimação ou deixar resíduos. A prefeitura não faz a coleta de lixo na ilha. Ou seja, qualquer coisa deixada no local se torna responsabilidade do proprietário”, explicou Fabrício.
O filho do empresário também disse que há uma placa na ilha que delimita a praia da área particular da ilha.
“Ela indica que a propriedade é privada. Também temos dois cachorros, mas que não ficam soltos. Os seguranças andam com eles na coleira dentro da propriedade privada. Os animais também têm um canil e ficam lá quando não estão passeando com o caseiro”, explicou.
O que diz a SPU?
Ilha da ‘Xuxa”, no litoral do Espírito Santo
Luxury Properties
Procurada, a Secretaria do Patrimônio da União, por meio da Superintendência do Espírito Santo, informou que a Ilha da Baleia possui uma área total de 34.524,30 m², sendo 2.238,95 m² de praia, o equivalente a 6,5%, que é de propriedade da União.
“Dessa área, uma porção de 17.126,39 m² foi liberada por decisão judicial para uso por um terceiro e está registrada no cartório de imóveis e nos sistemas da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Esse processo é chamado de aforamento, em que a União autoriza alguém a usar a terra, desde que o uso seja pago por meio de taxas.
A área administrada pelo empresário representa 49,6% da ilha e não são de uso público.
No entanto, segundo a SPU, a área de praia e outras partes da ilha, que não estão registradas no cartório, representam 43,9% da ilha. Estes espaços não fazem parte do aforamento e continuam sendo propriedade pública, com acesso livre para a população.
Por fim, é relevante mencionar que a utilização das áreas aforadas deve seguir as regras estabelecidas nas leis urbanas e ambientais.
“A transferência do uso da área de 17.126,39 m² deverá ser realizada conforme as normas da SPU”.
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