Em declaração a jornalistas, presidente americano sugeriu enviar palestinos de Gaza para países vizinhos de forma temporária ou a longo prazo. Trump propõe transferir habitantes de Gaza para o Egito e a Jordânia
Reuters
O presidente dos EUA, Donald Trump, disse que quer que o Egito e a Jordânia recebam palestinos de Gaza.
Trump disse que fez o pedido ao rei Abdullah da Jordânia e planejava fazer o mesmo pedido ao presidente do Egito neste domingo (26/01).
Descrevendo Gaza como um “local de demolição”, Trump disse: “Você está falando de provavelmente um milhão e meio de pessoas, e [depois] nós simplesmente limpamos tudo”.
Ele acrescentou que a mudança “pode ser temporária” ou “pode ser de longo prazo”.
O Hamas prometeu se opor a qualquer ação desse tipo, e os comentários provavelmente indignarão os palestinos em Gaza, que consideram o território seu lar.
O ministro das Relações Exteriores da Jordânia disse que o reino era “firme e inabalável” em sua rejeição ao deslocamento de palestinos. Segundo o jornal israelense Haaretz, o governo egípcio também se opôs ao plano.
Um cessar-fogo está em curso em Gaza após um acordo entre Israel e o Hamas para interromper a guerra que começou após Hamas atacar Israel em 7 de outubro de 2023. Cerca de 1.200 pessoas foram mortas e 251 levadas para Gaza como reféns.
Mais de 47.200 palestinos, a maioria civis, foram mortos na ofensiva de Israel, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas.
A maioria dos dois milhões de moradores de Gaza foi deslocada nos últimos 15 meses de guerra, que destruiu grande parte da infraestrutura de Gaza.
As Nações Unidas estimaram que 60% das estruturas em Gaza foram danificadas ou destruídas, e que a reconstrução pode levar décadas.
Trump fez seus comentários enquanto falava com repórteres a bordo do Air Force One, o avião presidencial americano.
“Quase tudo foi demolido e as pessoas estão morrendo lá.”
“Então eu prefiro me envolver com algumas das nações árabes e construir moradias em um local diferente onde talvez eles possam viver em paz.”
Trump não deu mais detalhes da proposta, e o assunto não foi citado na comunicação oficial da Casa Branca sobre a ligação.
Uma perspectiva diferente
“Nosso povo palestino na Faixa de Gaza suportou morte e destruição por 15 meses… sem deixar sua terra. Portanto, eles não aceitarão nenhuma oferta ou solução, mesmo que pareçam ser bem intencionadas sob o argumento da reconstrução, conforme anunciado pelas propostas do presidente dos EUA, Trump”, disse Bassem Naim, membro do bureau político do Hamas, à BBC.
“Nosso povo, assim como frustrou todos os planos de deslocamento e uma pátria alternativa ao longo das décadas, também frustrará tais projetos”, acrescentou.
Questionado sobre os comentários de Trump, Abu Yahya Rashid, um homem deslocado na cidade de Khan Younis, no sul de Gaza, disse:
“Nós somos aqueles que decidimos nosso destino e o que queremos. Esta terra é nossa e propriedade de nossos ancestrais ao longo da história. Não a deixaremos, exceto como cadáveres.”
Décadas de política externa dos EUA se comprometeram com a criação de um estado palestino, com Gaza como parte fundamental desse território. O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, rejeita esse cenário.
Donald Trump tem um longo histórico de falar de improviso e lançar ideias que nunca acabam dando frutos.
No entanto, a ideia de encorajar os moradores de Gaza a se mudarem para países vizinhos tem sido promovida há muito tempo por membros de direita linha-dura do governo israelense.
O ex-ministro da segurança nacional Itamar Ben-Gvir, do partido Poder Judaico, elogiou Trump “pela iniciativa de transferir moradores de Gaza para a Jordânia e o Egito”.
“Uma das nossas demandas ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu é promover a emigração voluntária”, ele escreveu no X.
O atual ministro das finanças israelense, o colono de extrema direita Bezelal Smotrich, também disse que os palestinos deveriam emigrar para países vizinhos para permitir que assentamentos judaicos sejam restabelecidos em Gaza.
Essas posições são rejeitadas por palestinos e causam desânimo entre os proponentes de uma “solução de dois estados” — o estabelecimento de um estado palestino independente ao lado de Israel.
Há temores entre os palestinos de que aqueles que cercam o presidente Trump estejam pressionando-o para uma direção mais extrema quando se trata de políticas no Oriente Médio.
Neste mês, o indicado de Trump para ser o próximo embaixador dos EUA em Israel, o cristão evangélico Mike Huckabee, rejeitou a ideia de que exista um estado palestino.
“Os palestinos tiveram sua chance em Gaza”, disse ele em uma entrevista a uma televisão americana.
“E veja o que aconteceu lá.”
Gaza está sob ocupação israelense desde 1967.
Os comentários de Huckabee contradizem seis décadas de política dos EUA no Oriente Médio, durante as quais Washington promoveu o conceito de uma “solução de dois estados”.
Os EUA já disseram no passado que se opunham a qualquer deslocamento forçado de palestinos de Gaza ou das partes da Cisjordânia ocupada por israelenses.
Mais de dois milhões de refugiados palestinos, a maioria dos quais recebeu cidadania jordaniana, vivem na Jordânia, de acordo com a ONU.
Eles são descendentes de cerca de 750 mil palestinos que fugiram ou foram forçados a deixar suas casas nos conflitos que sucederam a formação de Israel em 1948.
Milhares de palestinos fugiram para o Egito desde o início da guerra com Israel, mas não são reconhecidos como refugiados.
Em outubro de 2023, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi disse que rejeitava qualquer deslocamento forçado de palestinos para a Península do Sinai (território egípcio) e que a única solução seria um estado independente para os palestinos.
Alguns membros da extrema direita israelense querem retornar a Gaza e estabelecer assentamentos lá. Israel ordenou uma retirada unilateral de colonos em Gaza em 2005, desmantelando 21 assentamentos e evacuando cerca de 9 mil colonos.
Os comentários de Trump foram feitos no momento em que pessoas deslocadas tentam retornar às suas casas no norte de Gaza depois que Israel acusou o Hamas de violar os termos de um acordo de cessar-fogo.
“Não há nada lá – não há vida, tudo está destruído. Mas ainda assim retornar à sua terra, ao seu lar, é uma grande alegria”, disse um homem à BBC.
Em comentários separados no avião presidencial, Trump disse que havia derrubado uma ordem do ex-presidente Joe Biden para suspender o fornecimento de bombas para Israel.
“Eles pagaram por elas e estavam esperando por elas há muito tempo”, disse ele aos repórteres.
Os EUA são de longe o maior fornecedor de armas para Israel, tendo ajudado o país a construir um dos exércitos tecnologicamente mais sofisticados do mundo.
Mas a guerra em Gaza tem gerado cobranças para que os EUA reduzam ou encerrem os envios de armas para Israel, devido ao nível de destruição causado pelas armas americanas no território.