Artista volta às origens da carreira em disco gracioso e reverente ao universo do gênero musical carioca. Capa do álbum ‘Wanderléa canta choros’, de Wanderléa
Divulgação / Selo Sesc
Resenha de álbum
Título: Wanderléa canta choros
Artista: Wanderléa
Edição: Selo Sesc
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Para quem desconhece a trajetória inicial de Wanderléa, antes de a cantora mineira ser entronizada como a Ternurinha, vértice feminino do triângulo central da Jovem Guarda, o disco em que a artista canta choros pode soar como ponto de fora da curva em carreira ainda e injustamente associada de forma primordial às tardes dominicais do iê-iê-iê romântico.
É que, nos primórdios da trajetória artística, Wanderléa atuou como crooner do conjunto de choro Regional do Canhoto e, desde então, nunca se desapegou deste gênero musical surgido no Rio de Janeiro em meados do século XIX.
Em rotação desde sexta-feira, 12 de maio, em edição do Selo Sesc, o álbum Wanderléa canta choros marca a volta da artista às origens da carreira, oferecendo amostra graciosa das habilidades da voz microfônica da cantora de 79 anos completados no último dia 5.
Basta ouvir o serelepe registro de O que vier eu traço (Alvaiade e Zé Maria, 1945), samba tratado como choro por Wanderléa com direito à aceleração do andamento no minuto final da gravação. Estão lá a perfeita dicção, o apurado senso rítmico e a agilidade vocal – tributos essenciais aos cantores que se aventuram pelo universo do choro, o que legitima a letra de Um chorinho para Wandeca, tema inédito em que os compositores Douglas Germano e João Poleto enaltecem o gingado e o telecoteco da cantora.
Gravado por Wanderléa com produção musical de Mario Gil, sob a direção artística de Luiz Nogueira, o álbum desce redondo e com colorido variado.
Se os arranjos de cordas realçam o lirismo de temas como Pedacinhos do céu (Waldir Azevedo e Miguel Lima, 1951), o fraseado faceiro do bandolim de Hamilton de Holanda evidenciam a verve de Delicado (Waldir Azevedo e Ary Vieira, 1950), baião revivido na cadência do samba.
Com que graça Wanderléa canta Galo garnizé (Luiz Gonzaga, Antônio Almeida e Miguel Lima, 1943)! Há inteligência nas interpretações, até para respeitar o tempo da dor entranhada nos versos de Acariciando (Abel Ferreira e Lourival Faissal, 1955).
Outro acerto é a seleção de repertório do disco, que vai além do óbvio, tirando do baú como joias como Doce melodia (Abel Ferreira e Luiz Antônio, 1950) sem evitar standards do porte de Apanhei-te, cavaquinho (Ernesto Nazareth, Darci de Oliveira e Benedito Lacerda, 1916) e de Brasileirinho (Waldir Azevedo e Pereira da Costa, 1949), clássico intercontinental arrematado com citação do Hino Nacional Brasileiro (Francisco Manuel da Silva, 1822, com letra de Osório Duque Estrada, 1909).
Mesmo músicas já recorrentes no repertório de Wanderléa, como o samba Uva de caminhão (Assis Valente, 1939) e o já mencionado samba O que vier eu traço, ganham frescor, até pela afinação com o universo do álbum.
A sonoridade do disco é reverente à ambiência habitual do choro, como exemplifica o arranjo do samba Nova ilusão (Zé Menezes e Luiz Bittencourt, 1948), o que também contribui para a coesão do álbum arranjado por craques como Angelo Ursini, Cristovão Bastos, João Poletto, Milton de Mori e Toninho Ferragutti.
É fato que um choro-canção da dimensão nacional de Carinhoso (Pixinguinha, 1917, com letra posterior de Braguinha, 1937) já mereceu interpretações mais precisas ao longo de quase um século. Nada, no entanto, que desmereça este álbum do telecoteco que expõe o gingado da voz de Wanderléa.
Wanderléa no estúdio na gravação do disco feito com produção musical de Mario Gil, sob a direção artística de Luiz Nogueira
Ione Candengue / Divulgação Selo Sesc
Wanderléa cai com fluência no choro em álbum que expõe o gingado da voz da cantora
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