Empresa recomenda clínicas que fazem cirurgias plásticas no Brasil. Paloma Lopes Alves teve parada cardiorrespiratória durante procedimento em clínica em SP. O caso é investigado pela Polícia Civil como morte suspeita; clínica foi autuada e interditada. Prints mostram conversas de Paloma com empresa de consultoria para cirurgias plásticas
Arquivo Pessoal
A mulher de 31 anos que morreu na última terça-feira (26) após passar mal durante uma hidrolipo em uma clínica estética recebeu a indicação do médico Josias Caetano dos Santos através de uma empresa que presta consultoria para procedimentos estéticos via WhatsApp.
Paloma Lopes Alves teve uma parada cardiorrespiratória e foi socorrida pelo Samu e encaminhada ao Hospital Municipal do Tatuapé, mas chegou sem vida. O caso foi registrado como morte suspeita. A clínica foi autuada e totalmente interditada pela Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), da Prefeitura de São Paulo (leia mais abaixo).
A empresa responsável pela consultoria é a BellezaShop, que anuncia facilidades para agendar cirurgias plásticas em diferentes clínicas do Brasil. As facilidades são desde o agendamento até mesmo a forma de pagamento, podendo ser feito em até 120 vezes.
Nas redes sociais, a empresa tem ao menos quatro perfis com vídeos explicando como funciona a consultoria, realizada através do WhatsApp.
O g1 teve acesso a prints que mostram que Paloma pediu informações sobre o procedimento de hidrolipo em maio de 2024. Quem responde diz que pedirá para uma consultora entrar em contato (veja acima).
Uma mulher se apresenta como representante do médico Josias Caetano e envia a seguinte mensagem para Paloma: “Sou representante de Josias Caetano cirurgia plástico conceituado e membro da sociedade brasileira de cirurgia plástica, e já vou tirar suas dúvidas”.
Doutor Josias, no caso, é o médico que operou Paloma. Ele conversou com a TV Globo sobre a morte da paciente, relatando que ela teve falta de ar e ficou inconsciente quando já estava na sala de recuperação pós-operatória. A defesa de Josias nega que a paciente tenha contratado o procedimento pela consultoria (leia mais abaixo).
Ainda nos prints é possível ver que Paloma informa que quer “retirar os flancos”, e a representante encaminha os valores de acordo com cada região do corpo. Em seguida, ela pergunta se as consultas podem ser online, e a representante responde que sim.
Paloma Lopes Alves morreu após procedimento estético em SP
Arquivo Pessoal
Outros prints a que o g1 teve acesso mostram também um grupo de WhatsApp denominado “BellezaShop”, o qual Paloma fazia parte e foi encontrado em seu celular após a morte (veja abaixo).
Em um trecho de conversa deste grupo, enviado ao g1, é possível ver que há mensagens de outras mulheres pedindo mais informações sobre empresas e médicos para procedimentos. Também há mensagens de outra participante questionando o valor do procedimento.
Ainda no print é possível ver uma mensagem fixada que informa: “Meninas, lembrando que esse grupo é específico para as pacientes do Dr Josias”.
Print de grupo que Paloma participava
Arquivo Pessoal
Segundo a advogada do marido de Paloma, Nataly Moretzsohn Lunardi, ainda não é possível afirmar que a vítima comprou o procedimento através deste grupo. Porém, enfatiza que foi através dele que Paloma teve conhecimento sobre o profissional que a operou e sobre a clínica.
“Mas é fato que a participação no grupo foi fator de incentivo, de motivação para confiar na clínica. Pois no grupo há publicidades e outras pessoas dizendo que as cirurgias são sempre de sucesso, fotos com cirurgias bem-sucedidas”, afirmou.
“Ainda estamos analisando a responsabilidade deste perfil e seu papel na intermediação”, enfatizou a advogada.
O g1 entrou em contato com a empresa BellezaShop, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
O advogado de Josias, Lairon Joe, enfatizou que “a senhora Paloma foi apresentada [ao médico] diretamente pela clínica. Pelo que nós sabemos, a clínica possui uma assessoria que busca assessorar mulheres que têm o sonho de realizar cirurgia plástica. A clínica apenas trabalhava com a sua própria assessoria”.
Ainda segundo ele, “no mercado de cirurgias plásticas existem outras assessorias que realizam este serviço”.
“Nós não sabemos se a cliente paga qualquer valor para assessoria, porém nós temos certeza que não foi a BellezaShop que foi intermediária da contratação, uma vez que tudo foi pago para a clínica. É importante constatar, ainda, que nós temos ciência que não foi a BellezaShop porque quando há assessoria pela BellezaShop é atendida na clínica do Doutor Josias, e não na Clínica Maná”, afirmou.
Morte
Prefeitura de SP interdita clínica onde mulher fez hidrolipo antes de morrer
Segundo o marido, Everton Silveira, Paloma deu entrada no período da manhã da terça na clínica de estética Maná Day, na Avenida Conselheiro Carrão, Zona Leste de São Paulo.
O procedimento seria feito na região das costas e do abdome, e a paciente tinha previsão de alta no fim da tarde. Porém, ela passou mal e teve uma parada cardíaca.
“A gente foi fazer o procedimento, e eu estava lá. Fizeram uma negligência enorme. Demoraram muito para chamar o Samu. A hora que eu vi que o Samu estava lá, eu saí correndo. Eles não me informaram o que estava acontecendo. Uma situação muito triste, delicada. Nossa, fora do comum. No hospital, tentaram reanimar, mas ela veio a óbito”, afirmou ele.
Paloma Lopes Alves morreu após procedimento estético em SP
Arquivo Pessoal
Ainda conforme Everton, a esposa conheceu o médico pessoalmente apenas no dia da cirurgia e pagou R$ 10 mil pelo procedimento.
“Paloma contratou o procedimento através das redes sociais, e o pagamento da consulta foi realizado por transferências bancárias a uma empresa em nome do médico no valor de R$ 10 mil.”
“Eu quero justiça pela Paloma. O médico fechou a clínica, sumiu e não falou nada. A justiça precisa ser feita. Eu levei minha esposa para fazer a realização do sonho e agora temos que enterrá-la. Estou sem acreditar.”
A clínica estética foi autuada e interditada pela Coordenadoria de Vigilância em Saúde (Covisa), da Prefeitura de São Paulo, na quarta-feira (27).
Segundo o órgão, a Maná Day exercia atividade irregular, já que não possuía a licença sanitária necessária para realizar procedimentos invasivos, como lipoaspirações.
O que diz o médico
‘Foi coisa de segundos’, diz médico sobre piora da mulher que morreu em hidrolipo
Em entrevista à TV Globo, o médico Josias Caetano dos Santos disse que a paciente teve falta de ar e ficou inconsciente quando já estava na sala de recuperação pós-operatória e piorou muito rapidamente.
“A paciente piorou muito a angústia respiratória e ficou inconsciente, mas, assim, foi coisa de segundos. A gente começou a fazer a massagem cardíaca. A gente começou a ventilar com aquela máscara de O2. Quando você tem um sofrimento por falta de oxigênio, é esperado que, com essas manobras, isso já recupere rapidamente. Não foi o que aconteceu”.
O advogado de defesa dele, Lairon Joe, disse que todos os esclarecimentos devidos serão prestados.
Investigação
O caso foi registrado como morte suspeita no 52° DP, Parque São Jorge. O marido de Paloma prestou depoimento à Polícia Civil nesta sexta-feira (29).
Na porta da delegacia, Everton Silveira conversou com a imprensa e disse que vai lutar por Justiça.
“Eu quero fazer Justiça por ela para que não aconteça com outras mulheres, que não aconteça mais isso no nosso país, no nosso Estado, porque que eu tive que vir trazer a minha esposa com vida, saúde, maravilhosa. Por conta desses profissionais que não tinham as autorizações, hoje estou aqui sem ela. Por que deixaram ela fazer isso?”, disse, emocionado.
Everton ainda reforçou que não foi procurado pela clínica ou pelo médico Josias Caetano, responsável pela cirurgia, após a morte da esposa.
“A Paloma era uma mulher incrível, que sempre ajudou outras mulheres a buscar a sua autoestima, a buscar o melhor para ela e para as outras que estavam ao seu redor. Ela era uma mulher muito instruída. Ela buscou nas redes sociais uma clínica que estava ali disposta a fazer esse procedimento que ela tanto queria. Era o sonho dela realizar esse procedimento estético: uma hidrolipo”.
Condenação anterior
O médico Josias Caetano dos Santos já foi condenado a indenizar por danos estéticos e morais uma paciente que teve o seio necrosado em 2022.
Segundo levantamento da TV Globo, o médico já foi processado 21 vezes por danos morais em erros médicos.
Em fevereiro de 2019, a paciente realizou uma mamoplastia redutora — procedimento cirúrgico que reduz o tamanho e o volume das mamas — no Hospital São Rafael, no Paraíso, no Centro de São Paulo.
Quatro dias após a cirurgia, a mulher percebeu que a aréola esquerda do seio estava com necrose. Para remover o tecido morto, ela foi submetida em três vezes a um procedimento conhecido como “o debridamento cirúrgico”.
Contudo, a paciente alega que a revisão cirúrgica não teve o resultado esperado e que “perdeu o mamilo esquerdo”.
Na sentença condenatória, o juiz Guilherme Silveira Teixeira da 23ª Vara Cível declarou que há dúvidas em relação às condições sanitárias do ambiente, que foram realizados os procedimentos cirúrgicos.
A sentença também aponta que, ao longo do processo, não foram identificados “documentos que comprovem liberação para realização de tais procedimentos”.
O magistrado ainda reitera que a paciente era “saudável e inexistiam condições pessoais a elevarem o risco de complicação cirúrgica ou pós-cirúrgica. A perita atestou que a autora adotou os cuidados pós-operatórios devidos”.
O que é hidrolipo
A hidrolipo, também chamada de lipoaspiração tumescente, é o nome dado a uma lipoaspiração realizada com anestesia raquidiana, que torna insensível à dor apenas uma parte do corpo. O paciente, se não for sedado, mantém a consciência e fica acordado durante todo o procedimento.
A cirurgia leva o prefixo “hidro” no nome porque o médico injeta uma solução de anestésico, soro fisiológico e adrenalina com o intuito de diminuir os vasos capilares e reduzir a perda de sangue.
“Conceituou-se que a hidrolipo seria essa lipoaspiração, injetando anestésico, soro fisiológico e adrenalina feita com anestesia, no consultório médico e com o paciente acordado”, explicou em 2021 o médico Wendell Uguetto, ao g1.
A hidrolipo é uma alternativa à lipoaspiração convencional para as pessoas que desejam remover áreas de gordura de pontos específicos do corpo.