Fotos mostram olho-de-gato com parte do esqueleto para fora. Rigidez cadavérica é possível explicação para posicionamento do corpo. Serpente-olho-de-gato (Leptodeira tarairiu) foi parcialmente devorada por formigas-de-correição
Willianilson Pessoa
Se é difícil desvendar um crime sem flagrantes, quão desafiador é saber a história por trás de uma predação na natureza? A foto de uma serpente parcialmente devorada, em uma posição ainda ereta, levanta dúvidas sobre o que aconteceu com o réptil.
A cena foi retratada pelo herpetólogo Willianilson Pessoa em uma área da Caatinga no município de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, há alguns anos. Ele conta que estava realizando um trabalho em campo em uma região onde antes fluía um rio. Naquele momento, havia somente muitas pedras e troncos e a cobra estava lá, sem paradeiro.
“Logo percebi que era uma serpente-olho-de-gato (Leptodeira tarairiu), uma espécie arborícola e não peçonhenta, que costuma sair somente à noite e se alimentar de anfíbios e lagartos”, comenta.
Serpente alcança cerca de 90 centímetros de comprimento e possui olhos grandes
Tulio Dornas/iNaturalist
Mas por que uma cobra que vive no alto das árvores estava morta no chão? A espécie geralmente é predada de noite por corujas e gaviões, mas, ao analisar o estado do corpo, o biólogo descobriu que foram as formigas-de-correição as responsáveis.
Formigas-de-correição
“Deu para ver claramente que foram formigas que deixaram a cobra daquele jeito, porque ela estava inteira, não haviam mordidas. As formigas comeram apenas a musculatura e a gordura e ficaram os ligamentos, cartilagem e ossos da cobra. Isso é típico de formiga”, explica Pessoa.
Consideradas como uma das caçadoras mais vorazes, as formigas-de-correição andam em grupos de até 500 mil indivíduos e se alimentam diariamente de milhares de presas enquanto se deslocam na floresta.
De acordo com o pesquisador, a principal suspeita é que a serpente-olho-de-gato tenha descido das árvores para se locomover e acabou passando no meio de uma correição. As formigas então devoraram parte da cobra e seguiram se deslocando.
“Essa é apenas uma das possibilidades, a mais provável para mim. Outra opção seria a serpente ter morrido por uma causa natural, por exemplo, e, ao cair, ter sido encontrada pelas formigas”, diz.
Cobra permaneceu em posição ainda ereta
Willianilson Pessoa
Posição do corpo
Mesmo estando completamente morta há um bom tempo, a serpente se manteve em posição parcialmente ereta, com a cabeça projetada para cima.
Regidez cadavérica pode ser decorrente de uma contração muscular
Willianilson Pessoa
O biólogo explica que isso pode ser decorrente de uma contração muscular. “Essa contração é causada pela liberação do cálcio, como se fosse uma cãibra. Na hora da morte, o cálcio liberado pelo animal não é reabsorvido e causa essa contração que chamamos de rigor mortis ou rigidez cadavérica”, explica.
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