Eventos tentam diminuir riscos do uso de álcool e drogas. No Brasil, festivais têm espaços para atender fãs com informações sobre uso consciente. Nova Zelândia e Reino Unido vão além. Três ações para redução de danos em festivais
Cada vez mais, uma nova atração está ganhando espaço nos cobiçados cartazes de festivais: uma tal de Redução de Danos. Claro que não se trata de uma banda. O termo corresponde às estratégias para diminuir riscos do uso de álcool e drogas nos ambientes de música.
Mas quais as principais iniciativas nos festivais brasileiros? E o que tem funcionado em eventos fora do Brasil que pode um dia fazer parte da rotina de quem vai a megaeventos como Rock in Rio e Lollapalooza? O g1 conversou com especialistas para entender se é possível unir curtição e cautela, sem moralismo.
Nesta semana, o g1 publica uma série de reportagens para explicar os novos hábitos e modinhas da geração z: dos chinelos com meias e acessórios retrôs às sobrancelhas descoloridas e festas mais cautelosas.
Hoje, as principais iniciativas de redução de danos em festivais são:
Tendas com atendimento: Vários festivais têm espaços para atender fãs, com palestras e informações sobre uso consciente de álcool e drogas. Tendas do tipo são mais comuns fora do Brasil, em eventos como o Bonnaroo, nos Estados Unidos. No Brasil, um bom exemplo é o Festival Sarará, que acontece em Belo Horizonte, em agosto;
Equipes andando pelos eventos: Rock in Rio, Lollapalooza e The Town têm profissionais de ONGs ou entidades governamentais que circulam pelos eventos. Há ainda planos de campanhas de conscientização em próximas edições;
Teste de drogas: Em festivais ingleses como Glastonbury e Reading, o público pode pedir testes para saber se drogas estão adulteradas. Sem revelar sua identidade, fãs deixam amostras de suas drogas e recebem laudos. A iniciativa começou na Nova Zelândia, em 2020 e busca diminuir os riscos;
Menos moralismo: A redução de danos não julga moralmente quem faz uso do psicoativo. A abstinência, no entanto, pode ser vista como uma das metas. No festival americano Governors Ball, por exemplo, vídeos nos telões deixavam claro que o fã pode procurar os estandes pedindo ajuda e “sem ter que ficar respondendo perguntas”. Na lista de itens liberados para entrar no evento, constavam “duas doses de Narcan”. O remédio anula os efeitos da overdose.
Espaço Energia no festival Sarará, em Belo Horizonte, tem iniciativas de redução de danos e diz receber pessoas tendo ‘viagem errada’
Denise Santos/Divulgação
Maria Angélica Comis, psicóloga e redutora de danos, explica que essas iniciativas são pensadas por profissionais de saúde.
“São estratégias principalmente de políticas públicas para diminuir infecções sexualmente transmissíveis e evitar mortes por uso de substâncias. É para diminuir riscos em determinados comportamentos, como o uso de cinto de segurança em automóveis. É mudar comportamento para evitar piores consequências”, explica ela.
Marina já foi assessora de políticas públicas sobre álcool e drogas da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Ela também foi coordenadora da ONG É de Lei, responsável por iniciativas com foco na redução de danos como o Coletivo Balance e o Projeto Respire.
“O Respire desenvolve captações para pessoas que querem trabalhar em festas. Hoje são 40 coletivos que fazem redução de danos pelo Brasil”, contabiliza.
O que é feito em festivais brasileiros?
Estande do festival Lollapalooza tinha ações de conscientização e testes para determinar presença de álcool no sangue
Divulgação/Rockworld
Procurada pelo g1 para falar sobre ações de reduções de danos, a Rock World (empresa responsável pela produção de Rock in Rio, The Town e Lollapalooza) disse que “pratica um olhar de empatia sobre seu público”.
“ONGs ou entidades governamentais convidadas promovem campanhas para conscientizar o público sobre o risco do consumo de substâncias psicoativas ilícitas ou lícitas e consumo responsável de álcool”, disse a produtora, por meio de sua assessoria. Essas equipes andam pelo público com ações de conscientização e para encaminhar pessoas para serem “acolhidas” por especialistas.
Segundo a Rock World, a partir da primeira edição do The Town “a campanha de conscientização ganhará vídeos nos telões do festival, maximizando a mensagem”.
O festival Sarará, que acontece em agosto em Belo Horizonte, tem o Espaço Energia, com uma equipe de psicólogos. Segundo a organização do evento, “a ideia é receber pessoas em alguma situação de estresse psicológico, crise de ansiedade ou a famosa viagem errada”.
“É um lugar de acolhimento para as pessoas, até que se sintam aptas a curtirem o festival novamente. Todo o atendimento é feito sem preconceito, sem julgamentos, com segurança e conhecimento”, resume Erick Teixeira Gonçalves, psicólogo e coordenador do núcleo de Redução de Danos do Festival Sarará.
Reduzindo danos há mais de 20 anos
Alguns dos coletivos brasileiros de redução danos atuam desde o fim dos anos 2000, principalmente em eventos de rua ligados às prefeituras e em festivais de música eletrônica, como o baiano Universo Paralelo.
“Organizadores de festival muito grandes e famosos têm medo de dizer que tem estratégia de redução de danos, porque muitas vezes são financiados pela indústria do álcool. Ficam com receio de perder vendas por assumir que as pessoas usam drogas nessas festas”, opina a psicóloga.
Para ela, falta reconhecimento por parte do poder público. “Historicamente, o único departamento do Ministério da Saúde que financiou projetos de redução de danos costumar ser os departamentos de HIV. Tem que se reconhecer que a redução de danos não é contra a abstinência, pode ser um caminho para chegar à abstinência. Criaram uma narrativa e ela atrapalhou o surgimento das atividades de redução de danos. Passaram a ser vistas com moralismo.”
Como são os testes de drogas?
Outra iniciativa ainda não acontece em grandes festivais brasileiros, mas vem se destacando em eventos importantes do calendário de shows europeu.
O teste de qualidade de drogas começou a ser mais falado quando apareceu em festivais na Nova Zelândia. Desde 2020, usuários de substâncias como ecstasy e LSD podem testar a pureza das drogas que vão consumir em eventos musicais. A iniciativa faz parte de um plano maior de redução de danos, conduzido pela ONG KnowYourStuffNZ.
Festival Glastonbury na edição de 2019
Oli Scarff/AFP/Arquivo
Em 2023, o teste de qualidade de drogas chegou a festivais ingleses como Glastonbury, Leeds e Reading. No Brasil, existem estandes com testes de droga em alguns eventos de música eletrônica, mas eles ainda estão em fase inicial e os resultados oferecidos aos fãs não têm a mesma complexidade dos testes feitos em festivais britânicos ou neozelandeses.
“É importante a testagem para que o indivíduo tome a decisão se vai consumir ou não. Quando a gente fala que não tem MDNA em um comprimido, a pessoa decide ou não se vai usar”, explica Maria Angélica Comis. “Teve uma situação em que várias pessoas estavam passando mal após consumir um comprimido de determinada cor. Foi colado um cartaz no festival para que todos soubessem.”
Fora do Brasil, quem quer testar sua droga segue os seguintes passos:
Deixa uma amostra, de forma anônima, em uma caixa de um estande no evento;
A droga é testada pelo Órgão Executivo de Saúde e Segurança britânico (HSE, na sigla em inglês);
Se alguma droga estiver adulterada ou tiver um resultado fora do comum, isso pode ser comunicado nos telões e nas redes sociais do evento;
No Electric Picnic, da Irlanda, comprimidos roxos de MDMA no formato de uma caveira teriam o dobro da dose média estimada. Esse aviso foi feito nas mídias do festival.
Teste de qualidade de drogas, vídeos nos telões: como festivais apostam na redução de danos
Adicionar aos favoritos o Link permanente.