‘Barbie’ é o melhor filme de Greta Gerwig, apesar de pequenos deslizes; g1 já viu


Com estreia nesta quinta (20), um dos filmes mais aguardados do ano é o mais criativo filme da diretora e faz jus às promessas de retratar complexidade da boneca. Ambicioso, “Barbie” é um filme que tira sarro da boneca mais famosa do mundo, mas não só. Além dela, sua fabricante, a Mattel, fãs e haters também são alvos de piadas. Como já era esperado, se trata de uma sátira feminista, embalada num amontado de cenas irônicas.
Com estreia nesta quinta-feira (20), o longa, que tem provocado um frenesi exacerbado antes mesmo de estrear, expõe um contraste entre a fictícia Barbielândia e o mundo real.
No universo cor-de-rosa, Barbie é a perfeição em forma de mulher, ou melhor, de boneca. Sexys, bem-sucedidas e felizes, todas as suas versões vivem juntas em harmonia e dominam tudo ao redor, da constituição à astronomia.
O Ken (Ryan Gosling), par romântico da Barbie (Margot Robbie), não tem o mesmo nível de relevância de suas conterrâneas. Enquanto elas se dividem em múltiplas funções, como presidente, escritora e jornalista, ele é no máximo um homem que tenta, sem sucesso, ser bom em surfe e conseguir noitadas com sua amada, que o trata com desdém na maior parte do tempo.
É nítida a referência à posição que Ken ocupa no imaginário coletivo. Sem o glamour da boneca, ele sempre se limitou ao status de “namorado da Barbie”. Muito diferente dela, que, como bem mostrado no filme de Greta Gerwig, é equiparável ao monolito de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick.
Cena de ‘Barbie’
Divulgação
No mundo hiperfeliz da Barbielândia, não existe celulite, bafo matinal e reflexões sobre a morte. Como diz a letra de Aqua: a vida de plástico é fantástica.
Tudo muda, porém, quando a “Barbie estereotipada” — nome que as personagens dão à principal versão da boneca, a loira sensual de proporções irreais — começa a apresentar defeitos como pés não empinados.
Ao descobrir que as falhas são resultado de uma interferência do mundo real na Barbielândia, a protagonista vai, a contragosto, até o universo dos humanos para encontrar a solução e, enfim, abandonar as celulites.
Ken segue a personagem e, juntos, os dois ingressam numa jornada de descobertas, das quais a principal é a existência do patriarcado — conceito que incomoda a protagonista, mas encanta o boneco.
Dona do pedaço na encantada Barbielândia, Barbie se vê violada, ignorada e menosprezada no mundo de carne e osso. Nem mesmo a Mattel, que deu vida a seu universo, é feito de mulheres poderosas.
Cena de ‘Barbie’
Divulgação
Enfático na desigualdade de gênero, o filme pode soar, às vezes, exagerado na alusão à violência patriarcal, tendo, por exemplo, cenas muito caricatas sobre assédio. A escolha, no entanto, consegue dialogar bem com o estilo do roteiro, que é imerso numa metalinguagem debochada.
Um dos grandes mistérios que se criou em torno do longa é como Gerwig alinharia as controvérsias da boneca ao seu apelo popular. O resultado é uma obra que consegue mostrar essa complexidade com leveza e sagacidade.
Um exemplo é quando Barbie, que jura de pés juntos ser um símbolo feminista — por exercer centenas de profissão, ser independente e ter a casa de seus sonhos —, descobre ser odiada por uma legião de mulheres.
Seu ideal feminino é taxado como fascista, capitalista, e a personificação de uma bimbo — termo usado para garotas fúteis que são sexualmente atraentes.
Vemos a protagonista refletir sobre a própria existência, dando ênfase a seus defeitos, e desvalorizando seus atributos, ao se comparar com outras Barbies, o que, num planeta de rivalidade feminina como a Terra, faz todo sentido.
Gerwig humaniza o brinquedo de uma maneira que até mesmo quem revira os olhos para a boneca deve se compadecer com ela, dando, assim, novas camadas de dualidade à trama. É por isso também que promete agradar a públicos tão distintos.
Ainda que saiba unir humor à crítica — e insira um mea culpa da Mattel —, “Barbie” tem também deslizes.
As contradições raciais da boneca, que demorou mais de trinta anos para ter uma versão negra, por exemplo, chegam a ser mencionadas, em forma de piadas, mas não ganham muito espaço.
O filme tem também cenas que são prolixas, como uma longa guerra de Kens, que talvez funcionasse melhor sendo mais enxuta.
Nenhum deslize, no entanto, chega a prejudicar o escopo da obra. Gerwig fez um filme que é, ao mesmo tempo, divertido, dramático e provocador. Não é exagero dizer que esta é a sua obra mais criativa e melhor executada.
Em vez de cenas arrastadas como as de “Adoráveis Mulheres” (2020), ou clichês como as de “Lady Bird: A Hora de Voar” (2017), direções anteriores da americana, “Barbie” não deixa o espectador cansado da tela e oferece ainda um conteúdo que desde o princípio é repleto de originalidade.

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