Álbum que deu voz a João Donato, ‘Quem é quem’ completa 50 anos com o viço de 1973


♪ MEMÓRIA ♫ DISCOS DE 1973 – Em 1956, quando João Donato ofereceu Chá dançante, disco com abordagens instrumentais de músicas de compositores como Ary Barroso (1903 – 1964), Luiz Gonzaga (1912 – 1989) e Dorival Caymmi (1914 – 2008) feitas por Donato e seu Conjunto, como creditado na capa, o pianista acreano ainda tocava primordialmente acordeom, mas já fazia acordes modernos que despertavam a atenção da turma modernista cuja música iria dar na praia da bossa nova.
Em 1973, quando lançou o álbum Quem é quem pela Odeon, a gravadora que pusera Chá dançante no mercado 17 anos antes, Donato já era reconhecidamente um compositor e músico moderno. Mas ainda era pouco conhecido no Brasil.
Quem é quem foi o disco que contribuiu para dar mais visibilidade a Donato, dando voz ao músico. O artista nunca se tornaria um popstar, mas, ao se apresentar como cantor neste disco gravado com produção musical de Marcos Valle (creditado como assistente de produção na ficha técnica do LP original), Donato praticamente saiu do anonimato.
Outro fator importante para a popularização da música de Donato foi que, para possibilitar a estreia do cantor, as composições do pianista passaram a ganhar letras escritas por parceiros como Paulo César Pinheiro, Lysias Ênio – irmão de Donato que, com o tempo, se tornaria o parceiro letrista mais frequente do compositor – e Geraldo Carneiro.
Título definidor na discografia de João Donato, Quem é quem completa 50 anos em 2023 com o viço de 1973. A rigor, o disco existe porque Marcos Valle comprou a ideia – do cantor Agostinho dos Santos (1932 – 1973) – de que pusessem letras no cancioneiro de Donato.
Ainda há temas instrumentais em Quem é quem – como Amazonas (João Donato), exemplo do som feito por Donato com mix de jazz, bossa nova e latinidades caribenhas e cubanas (som normalmente encaixado na prateleira do jazz latino) – mas o disco é quase inteiramente cantado.
Nascido em 17 de agosto de 1934 em Rio Branco (AC), capital do Acre, Donato migrou para a cidade do Rio de Janeiro em 1946. Mas partiu em 1959 os Estados Unidos, onde gravou discos cultuados como o elétrico A bad Donato (1970).
De volta ao Brasil em fins de 1972 (embora tivesse retornado momentaneamente ao país natal em 1963), em viagem feita no rastro de paixão malsucedida, Donato acabou ficando e gravando Quem é quem por conta de Marcos Valle, então no elenco da gravadora Odeon.
Com músicas então inéditas como Ahiê (João Donato e Paulo César Pinheiro), Chorou chorou (João Donato e Paulo César Pinheiro), Fim de sonho (João Donato e João Carlos Pádua) e Me deixa (João Donato e Geraldo Carneiro) no repertório essencialmente autoral, o álbum Quem é quem rebobinou The frog (João Donato), tema apresentado pelo pianista Sergio Mendes em álbum de 1967, gravado por Donato em 1970, vocalizado pelo mesmo Donato no disco de 1973 e rebatizado como A rã em 1974 ao ganhar letra de Caetano Veloso.
The frog é o maior sucesso do álbum Quem é quem, seguido pela bela e introspectiva Até quem sabe, canção originalmente intitulada You can go – assim apresentada em disco gravado por João Donato com Eumir Deodato nos Estados Unidos entre março e abril daquele ano de 1973 – e rebatizada Até quem sabe quando Lysias Ênio escreveu a letra lançada por Donato em Quem é quem e regravada por Gal Costa (1945 – 2022) no ano seguinte no álbum Cantar (1974), arranjado por Donato.
A família Caymmi figura duplamente na ficha técnica de Quem é quem. A convite do dono do disco, gravado com músicos do naipe de Hélio Delmiro (violão e guitarra) e Novelli (baixo), Nana Caymmi canta com densidade Mentiras, balada de Donato com letra de Lysias Ênio. Já o patriarca Dorival Caymmi é o autor de Cala boca, menino (1973), música então recente do compositor baiano.
Parceria de Donato com Marcos Valle, arquiteto do disco arranjado por Dori Caymmi, Ian Guest (1940 – 2022), Laércio de Freitas e o próprio Donato, Cadê Jodel encerrou álbum que, aos 50 anos, exala o frescor atemporal da música de João Donato.
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