‘Braseiro’ de Roberta Sá ainda queima após 20 anos?


Cantora vai saber a resposta em 24 de maio, quando estrear no Rio o show em que celebra as duas décadas do álbum que a projetou em 2005. Roberta Sá revisita o repertório do álbum de 2005 no show ‘Braseiro 2.0’
Maju Magalhães / Divulgação
♫ ANÁLISE
♪ Como o mercado de shows é cada vez mais refratário a novidades, em comportamento que reflete a preferência do público por roteiros com repertório já bem conhecido, são cada vez mais frequentes os shows comemorativos de efemérides de álbuns. Roberta Sá entra na onda e estreia em 24 de maio no Circo Voador – casa que abriga a plateia mais calorosa da cidade do Rio de Janeiro (RJ) – a turnê do show Braseiro 2.0.
A questão que se ergue com esse movimento da artista é se o álbum Braseiro ainda tem fogo para queimar 20 anos após o lançamento do disco gravado em 2004 com produção musical e arranjos de Rodrigo Campello e lançado em 2005 em edição do selo MP,B Discos, braço fonográfico da empresa Maior prazer, Brasil, de João Mario Linhares, empresário da cantora na época.
Roberta Sá e o público ainda terão que esperar dois meses para saber a resposta. Mas a tendência é que, sim, Braseiro ainda arda entre os seguidores da cantora potiguar nascida em Natal (RN), mas criada no Rio de Janeiro (RJ) desde os nove anos.
Até porque Braseiro é disco decisivo na trajetória de Roberta Sá por ter sido o primeiro álbum da artista a chegar efetivamente ao mercado – Sambas & bossas foi lançado antes, no fim de 2004, mas como brinde de fim de ano distribuído aos clientes da empresa que encomendara o disco – e por ter dado projeção e prestígio instantâneo a Roberta, cantora que passara despercebida ao participar em 2002 da segunda temporada do talent show Fama, exibido pela Globo.
Braseiro é o disco que há 20 anos norteou caminhos seguidos até hoje por Roberta Sá. A abertura do disco – com a gravação de Eu sambo mesmo (Janet Almeida, 1946), samba do repertório do grupo Anjos do Inferno que João Gilberto (1931 – 2019) trouxera à tona em 1991 – já sinalizou a predominância do samba na discografia da cantora, com exceção do álbum Segunda pele (2012).
Empresário com ótimo trânsito no universo da MPB, João Mario Linhares articulou as presenças do cantor Ney Matogrosso – de quem João Mario era e continua sendo empresário – e do grupo MPB4 no disco de estreia de Roberta.
O MPB-4 adornou o canto de Cicatrizes (Miltinho e Paulo César Pinheiro, 1972), música que o grupo apresentara há então 33 anos no álbum intitulado justamente Cicatrizes (1972). Ney pôs voz em Lavoura (Teresa Cristina e Pedro Amorim, 2004), música que a autora Teresa Cristina lançara no ano anterior.
Já o grupo Pedro Luís e a Parede embasou com o baticum do coletivo carioca as gravações de Ah, se eu vou (Lula Queiroga, 2001) e da então inédita música-título No braseiro (Pedro Luís, 2005), faixa que captava a fervura da chapa carioca e que teve que ser refeita porque, ao fim da gravação original desse samba mixado com rap, Roberta citava o vocal de Clara Nunes (1942 – 1983) na gravação de Canto das três raças (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1976) sem dar o devido crédito.
Viúvo de Clara Nunes e um dos compositores do samba, Paulo César Pinheiro pediu que essa parte da faixa fosse regravada não pela questão do crédito, mas por entender que o vocal simbolizava a identidade de Clara, o que tornou uma relíquia a primeira edição em CD de Braseiro, a única do álbum a ter a faixa-título na forma original.
Mesmo sem reinventar a roda, o álbum Braseiro cativou o público e a crítica pelo frescor da produção de Rodrigo Campello e do canto de Roberta Sá – mérito do preparador vocal Felipe Abreu, presente no disco no coro de algumas faixas.
Preparada por Felipe, a cantora caiu com leveza no samba Pelas tabelas (Chico Buarque, 1984) e adentrou com elegância Casa pré-fabricada (Marcelo Camelo, 2001), canção então recente do grupo Los Hermanos, também gravada por Maria Rita no álbum Segundo (2005), lançado no mesmo ano de Braseiro. Nos bastidores, a coincidência gerou certo mal-estar entre as cantoras.
Das 10 faixas do álbum Braseiro, somente A vizinha do lado (Dorival Caymmi, 1946) já era conhecida, pois Roberta Sá gravara o samba para a trilha sonora da novela Celebridade (2003), exibida há então dois anos pela Globo com grande audiência. Aliás, foi a ótima repercussão dessa gravação de A vizinha do lado que pavimentou o caminho para o primeiro álbum da então debutante cantora.
A escolha sagaz das regravações já mostrou a inteligência da artista. Parceria de Paulinho da Viola com Hermínio Bello de Carvalho, Valsa da solidão até então tinha somente a gravação original, feita por Elizeth Cardoso (1920 – 1990) para Lira do povo, disco lançado em 1985 em comemoração aos 50 anos de Hermínio. O registro de Roberta Sá é harmonizado pelo toque do Fender Rhodes tocado pelo pianista Marcos Nimrichter.
No fecho do álbum Braseiro, Roberta Sá dá feitio de oração sertaneja a Olho de boi, música de Rodrigo Maranhão, compositor então em ascensão de quem a artista já vinha cantando em shows o Samba de um minuto, gravado no álbum Sambas & bossas (2004) com o titulo de A novidade.
Álbum irretocável que resistiu bem ao tempo ao longo desses 20 anos, Braseiro abriu alas para Roberta Sá, que solidificou a carreira com o disco seguinte, Que belo estranho dia para se ter alegria (2007), também modelar e também produzido por Rodrigo Campello. E o resto foi uma história com muito pontos altos, embora nem sempre a cantora tenha bisado a excelência desses dois primeiros álbuns.
Capa do álbum ‘Braseiro’ (2005), de Roberta Sá
Murilo Meirelles

Adicionar aos favoritos o Link permanente.