A história da música sobre tiroteio entre jovens que virou hit nostálgico do Lollapalooza


Entenda como ‘Pumped up Kicks’ fez o Foster the People alcançar sucesso e, ao mesmo tempo, ser cancelado. A polêmica de ‘Pumped up Kicks’, o maior hit do Foster the People
Maior sucesso do Foster the People, “Pumped up Kicks” é a música mais controversa já lançada pelos músicos, que voltam ao Brasil pela quinta vez para se apresentar no Lollapalooza deste domingo (30), às 18h50, no Palco Budweiser.
Lançada em 2010, a faixa de indie pop já causou tanta polêmica que seu compositor, Mark Foster, chegou a dizer que cogitou excluí-la dos shows para sempre. O hit, porém, continua nas apresentações — e marca o momento de maior euforia do público.
“Todas as outras crianças com sapatos caros/ é melhor vocês correrem mais rápido do que a minha arma”, canta Mark Foster durante o refrão, ao som de sintetizadores dançantes. A melodia inteira é assim, aliás. São batidas alegres, divertidas, para cima. O vocal traz até assobio. É difícil não se contagiar.
Toda essa energia, no entanto, se opõe à letra, cujos versos são violentos. “Pumped up Kicks” fala de um garoto que encontra uma arma no armário do pai e planeja um ou mais assassinatos.
Alguns versos, inclusive, são narrados a partir da perspectiva do menino: “Eu esperei por muito tempo/ sim, o truque da minha mão agora é um gatilho rápido/ eu raciocino com meu cigarro/ então diga ‘seu cabelo está pegando fogo, você deve ter perdido o juízo, sim'”.
Não foram poucas as vezes em que a letra foi taxada como uma glamourização da violência ou um incentivo a tiroteios em escolas. Os músicos sempre negaram. Mark Foster costuma dizer que a ideia da letra é justamente alertar sobre doenças mentais e violência entre jovens.
Um hit estrondoso
Sozinho, Mark produziu “Pumped up Kicks” mirando uma estética setentista como a do Fleetwood Mac. Em 2010, ele escreveu a letra, gravou todos os instrumentos e editou o arranjo. Depois, postou a faixa em um site de downloads gratuito — ainda como demo, espécie de versão não oficial.
‘Torches’, álbum de Foster the People
Reprodução
Em pouco tempo, a canção virou trilha de uma campanha publicitária da revista “Nylon” e viralizou em blogs da época. A banda, então, surfou no embalo e lançou o primeiro disco: “Torches”, que inclui o hit entre as faixas.
Em 2011, a música se tornou um sucesso absoluto nos Estados Unidos. Alcançou a terceira posição da Billboard Hot 100, ranking de audiência musical americana. E fez do Foster the People um nome obrigatório nas baladas indie da época.
O grupo surgiu em 2009 com Mark Foster (vocal e guitarra), Mark Pontius (bateria) e Cubbie Fink (baixo) — a formação mudou várias vezes e, atualmente, é uma dupla: o vocalista Foster e o tecladista Isom Innis.
Antes de “Pumped up Kicks”, a banda era desconhecida. Ainda tentava se achar no mercado fonográfico e fazia pouquíssimos shows. Mas aí veio o hit e tudo mudou. Os músicos assinaram com uma gravadora e contrataram um empresário para gerenciar a carreira.
Em abril de 2011, o Foster The People estreou no Coachella, principal festival da música pop dos Estados Unidos. No mês seguinte, lançou “Torches”.
Após eles emplacarem outros sucessos do álbum como “Houdini” e “Helena Beat”, o disco foi indicado ao Grammy 2012. A premiação também nomeou “Pumped up Kicks” ao troféu de Melhor Performance de Duo/Grupo Pop — quem venceu foi “Body and Soul”, de Amy Winehouse e Tony Bennett.
“Pumped up Kicks” foi a sexta canção mais vendida digitalmente nos EUA em 2011. No YouTube, o videoclipe acumula hoje mais de 1,1 bilhão de visualizações.
Além de conquistas, o hit rendeu má fama ao Foster the People. Foi graças à música que o grupo acabou cancelado — e em uma época em que esse termo ainda não era usado da forma como o conhecemos hoje.
É melhor você correr
“Eu me preocupo muito com bullying e com a violência que está acontecendo com a garotada hoje em dia. Queria contar uma história sobre isso, a partir da perspectiva de um garoto, e mostrar às pessoas aonde isso tudo pode levar. Eu estava tentando dar um alerta a respeito dessa situação”, afirmou Mark Foster ao g1 em 2012, ao comentar a letra de “Pumped up Kicks”.
No ano anterior à entrevista, a MTV havia decidido censurar a música. Ao exibir seu videoclipe, a emissora cortava as palavras “bala” e “arma” do refrão. Quando questionado sobre isso pela revista americana “Rolling Stone”, Mark Foster disse que a MTV temia uma banda alternativa como a dele.
Isom Innons (à esq.) e Mark Foster (à dir.), formação atual do Foster the People
Reprodução/YouTube
“Essa música é desafiadora, é algo que os assusta […] Ao mesmo tempo, a MTV tem séries que mostram garotas apanhando de homens, e mostram o trecho várias vezes, sem parar. É como se falassem ‘Violência doméstica? Ok’. Mas ‘Algo sobre família, valores, isolamento adolescente ou bullying? Não’”.
A letra de “Pumped Up Kicks” não fala explicitamente sobre bullying, mas é possível perceber que o protagonista sente inveja de outras crianças. O título é uma referência a um tênis considerado caro nos 1980.
Embora tenha sido um baita sucesso radiofônico, a canção chegou a ser removida de várias rádios americanas após o ataque a uma escola em Newtown, no estado de Connecticut, no fim de 2012.
Cinco anos depois, a letra voltou a ser comentada e, dessa vez, a partir de uma decisão que veio do próprio Foster the People. Durante um show na Carolina do Norte, a banda não tocou o hit. Os músicos disseram que não havia clima, porque, um dia antes, tinha acontecido um atentado a tiros em Las Vegas. Mesmo com a explicação, uma multidão de fãs ficou frustrada e gritou o nome da música no fim da apresentação.
Também teve a vez em que a polícia americana divulgou que o autor de um massacre em uma escola na Flórida, em 2018, havia escutado o hit pouco antes de cometer o crime.
Tudo isso fez o Foster the People considerar parar de tocar a música.
O futuro do hit
Em 2019, Mark Foster deu uma entrevista ao site americano “Billboard” em que comenta sobre a ideia de abandonar a faixa. “Tenho pensado em aposentar a música e simplesmente não tocar mais. Não posso pedir isso para outras pessoas”, afirmou o músico. “Mas posso controlar meu envolvimento na canção.”
Mark Foster comanda o show do Foster The People no Summer Break Festival em 2018
Fábio Tito/G1
“Lembro que na semana [em que compus a letra], tinha acontecido um tiroteio, e isso realmente me incomodou, porque percebi que o problema continuaria piorando. Então aquela música surgiu. Mas a percepção [da música] dez anos depois mudou, porque agora é um lembrete deste momento realmente doloroso na história do nosso país.”
Não dá para dizer que Mark Foster e Isom Innis desistiram completamente de aposentar a música. Mas o fato é que seis anos se passaram desde então, e o Foster the People continua tocando o hit nos shows — para a alegria dos fãs, que durante a canção pulam em estado de catarse.
A propósito, é exatamente assim que o público do Lollapalooza deve reagir no domingo (30).
Música e violência
Professor da Universidade La Salle, o criminólogo José Antônio Gerzson Linck explica que é importante diferenciar o ato de debater obras artísticas do ato de culpar obras por crimes cometidos no mundo real.
“Sempre se procurou determinar ou cogitar causas que pudessem explicar o comportamento criminoso, né? Causas individuais, relacionadas a grupos, a contatos culturais. E nunca se conseguiu por vários motivos”, afirma José.
O especialista explica que culpar uma música sobre violência por possíveis crimes cometidos por um ouvinte é uma maneira reducionista de analisar tanto a canção quanto o criminoso, já que nenhum está isolado e aquém de outros contextos. Por exemplo, se há criminosos que a escutaram, há também inocentes que fizeram o mesmo.
“As pessoas podem questionar, criticar ou pensar sobre obras culturais [que têm a violência como tema central]. Não falo de censurar. Mas de um debate ético sobre obras, discursos e produções. É legítimo que uma cultura debata isso”, afirma ele.
“Isso é uma coisa, mas mesmo que do ponto da crítica, não é possível relacionar uma produção artística com comportamentos específicos.”

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