Filhos relatam como suas mães, assim como Eunice Paiva, precisaram ser fortes para amparar os filhos e manter a família em pé. Conheça essas histórias. [[[[[13398019]]]]]
Vencedor do primeiro Oscar da história do Brasil, o filme “Ainda Estou Aqui” tocou de forma diferente os órfãos de pais, principalmente na forma como eles passaram a enxergar suas mães. O g1 reúne histórias de filhos de mães viúvas que perceberam que elas, assim como Eunice Paiva — personagem central do filme –, priorizaram a família em detrimento do próprio luto.
Primeiro filme original Globoplay, “Ainda Estou Aqui” é baseado no livro homônimo com a história real de Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice (Fernanda Torres) e de Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado federal assassinado durante a ditadura militar. O filme retrata a luta da advogada e ativista que passou 40 anos procurando a verdade sobre o desaparecimento de seu marido enquanto criava seus filhos sem entregar os pontos.
Francisca Elisabete Ferreira, Ivanilde Oliveira e Cláudia da Silva Batista seguraram o luto da perda dos maridos para que os filhos seguissem em frente. fazer
Arquivo Pessoal
O podcaster Pedro Philippe conta que o filme o fez lembrar da ausência de choro da mãe, Francisca Elisabete Ferreira. Seu pai, José Alberto Braz, foi assassinado dentro do próprio escritório de contabilidade em 2002, quando Pedro tinha 12 anos de idade. Mesmo diante da tragédia, o filho conta que não via a mãe triste.
“Era como se a morte do meu pai nem tivesse abalado. Não é que ela fingisse que nada tinha acontecido, mas ela queria fazer a gente seguir em frente”.
O filme mexeu tanto com Pedro que ele falou sobre isso no podcast do qual é um dos apresentadores. Em um episódio especial intitulado ‘Minha Mãe Ainda Está Aqui’, o cearense do município de Barbalha conversa com a mãe sobre a morte do pai e o luto que nunca havia demonstrado. Só então ela contou ao filho que chorava escondido na casa de uma amiga da igreja.
‘Nós vamos sorrir. Sorriam.’
Foto tirada durante ‘Ainda estou aqui’ com a família protagonista do filme
Divulgação
Para a psicóloga Erika Noah, de Montes Claros (MG), a cena mais marcante do filme é a que Eunice Paiva diz aos filhos para sorrirem para a foto que sairia em uma revista, mesmo com o fotógrafo pedindo uma imagem mais séria. Ali, Erika enxergou a própria mãe, Ivanilde Oliveira.
“Ela sempre nos dava uma força velada, através da tentativa de fazer algo diferente em casa, de dar um sorriso, tentando ver as coisas positivas do que vivíamos. Ela estava se esforçando para que a gente tivesse dias melhores”.
As circunstâncias da morte do pai de Erika, Afonso Andrade, foram muito traumáticas. Ele se suicidou em 2017. Por isso, Erika acredita que a forma como a mãe agiu foi essencial para a família lidar com a dor. “Era toda a força de que precisávamos naquele momento”, disse.
Desde que conquistou o Oscar de melhor filme, Ainda estou aqui tem levado mais espectadores ao cinema
Já o supervisor de vendas John Lenno da Silva, de Governador Eugênio Barros (MA), perdeu o pai, Getúlio Wagner dos Santos, em 2021, vítima da covid-19. O filme o fez perceber o quanto a mãe, Cláudia da Silva Batista, foi forte após a perda do companheiro de 19 anos.
“Sempre soube que ela sofreu muito, mas nunca tinha parado para pensar no esforço diário que ela fazia para seguir em frente. Depois de assistir ao filme, entendi que muitas das atitudes dela, que às vezes eu mesmo não compreendia, eram formas de se manter de pé pelos seus filhos”.
No discurso que escreveu para a cerimônia do Oscar, o diretor do filme, Walter Sales, dedicou o prêmio “a Eunice Paiva e a todas as mães que, diante de tamanha adversidade, têm a coragem de resistir. Que nos ensinam a lutar sem perder a capacidade de sorrir, mesmo quando elas se sentem frágeis”.
John Lenno, Pedro Philippe e Erika Noah
Arquivo pessoal
Leia os relatos:
‘Ela queria fazer a gente seguir em frente’
Pedro Philippe (de amarelo) com a mãe, Francisca Elisabete Ferreira, e os irmãos João Henrique e Dora Helena
Arquivo pessoal
Depoimento de Pedro Philippe:
“Foi vendo ‘Ainda Estou Aqui’ que eu lembrei que minha mãe não chorava, assim como Eunice Paiva. Tem uma cena em que ela está chorando e a filha chega com uma boneca para consertar. Ela só dá uma ajeitada, sem transparecer a dor. Minha mãe fez muito isso. Ela não transferia a tristeza pra gente.
Tenho uma lembrança da infância, de ir procurá-la e a encontrar abraçada com duas amigas, chorando. Eu levei um choque, fiquei sem entender por que ela estava assim. Para mim, era como se a morte do meu pai nem a tivesse abalado. Não sei qual a psicologia na cabeça dela, mas deu certo. Ela não fingia que nada tinha acontecido, mas queria fazer a gente seguir em frente.
Meu irmão comentou comigo que nunca tinha pensado sobre isso, mas, se minha mãe tivesse vacilado só um pouco, se a dor a tivesse consumido, a gente não estaria como está hoje. Isso é verdade. Esse foi um trabalho hercúleo dela.
Assim como Eunice, minha mãe também não deixou o rancor corroer os filhos. No filme, ela nem comenta a morte com eles. Minha mãe também não falava muito sobre o que tinha acontecido. Ela nos escutava, mas não deixava o luto se transformar em remorso, em raiva. É o que eu vejo também na história de Eunice. Ela pegou tudo aquilo e transformou em luta.
A cena do filme que mais me marcou foi aquela em que Marcelo Rubens Paiva brinca com o pai. Eu já comecei a chorar dali. A cena me pegou por lembrar desses momentos com o meu pai.”
A morte dele nunca teve esclarecimento. O cara que o matou foi preso, julgado, mas só dizia que cometeu o crime porque acordou com vontade de matar alguém. Na minha cabeça de criança, não fazia sentido alguém ter seguido meu pai e atirar nele, sem razão alguma. Por isso, eu vivia sonhando que ele ainda ia voltar.
Pedro Philippe com o pai, José Alberto Braz e mãe Francisca Elisabete Ferreira
Arquivo pessoal
‘Ela deu toda a força de que nós precisávamos’
Erika Noah (de branco) com o pai, Afonso Andrade, a mãe Ivanilde Oliveira e a irmã Izzis Fernanda
Arquivo pessoal
Depoimento de Erika Noah:
“A cena que mais marcou foi quando a personagem da Fernanda Torres dizia que ia sorrir pra foto, apesar de o fotógrafo querer uma imagem mais deprimida. Perdi meu pai com 25 anos e, mesmo sendo adulta, minha mãe precisou ser um suporte para mim, porque eu sempre fui muito vinculada a ele, e a morte foi repentina.
A força que ela dava era sempre velada, através de uma tentativa de fazer algo diferente em casa, um sorriso que ela tinha, tentando ver as coisas positivas do que vivíamos. Não era algo direto, mas eu sabia que ela estava se esforçando para que a gente tivesse dias bons, dias melhores, e essa foi toda a força de que precisávamos.
Eu sempre enxerguei isso na minha mãe, mas o filme deixou mais óbvio. Vejo a força de uma mulher tendo que manter a família em pé, com maestria, sendo mãe, viúva, dona de casa, apesar da tristeza com a morte da única pessoa que ela amou.
Minha mãe também teve confiança e fé ao seguir em frente e continuar fazendo o melhor possível para os filhos, com uma esperança e uma força incontestável, apesar da dor.”
‘O filme me fez perceber o quanto minha mãe foi forte’
John Lenno (de rosa) com a mãe Cláudia da Silva Batista, o pai Getúlio Wagner dos Santos e os irmãos John Kellyson e John Thallys
Arquivo pessoal
Depoimento de John Lenno:
“O filme retrata o luto de uma forma tão forte que me emocionou e me fez refletir bastante. Na época, minha mãe chegou a ter um início de depressão, mas, assim como a Eunice, teve que lidar com a dor e seguir em frente, mesmo com tudo desmoronando.
A cena da sorveteria, sem dúvida, é a mais emocionante do filme. Eunice estava ali, só que ao mesmo tempo não estava. Ela observava o mundo seguindo, as pessoas rindo, conversando, e ela só olhava, presa em um vazio que ninguém ao redor consegue enxergar.
O filme me fez perceber o quanto minha mãe foi forte. Sempre soube que ela sofreu muito, mas nunca tinha parado para pensar no esforço diário que ela fazia para seguir em frente. Depois de assistir, entendi que muitas das atitudes dela, que às vezes eu não compreendia, eram formas de se manter de pé pelos seus filhos.
Assim como Eunice, ela também teve que fazer escolhas difíceis, sem deixar a dor do luto a parar. Minha mãe sempre priorizou os filhos. Ela fez enormes sacrifícios para dar um futuro melhor para seus filhos. Se mudou para São Paulo, enfrentando toda e qualquer dificuldade no caminho.
No início, eu notava no olhar dela que não estava bem, mas nunca nos deixou faltar nada. Às vezes, ela até fingia estar bem, talvez para não nos preocupar. Era o jeitinho dela de nos proteger.”
‘Minha mãe sempre esteve aqui’: órfãos de pai contam como filme brasileiro vencedor do Oscar os fez olhar para o luto da mãe
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