
O proposta de lei, que estabelece o “Programa de Conscientização sobre Ética Profissional para Servidores da Educação do Estado de Santa Catarina”, já avançou em duas comissões da Alesc. Para especialistas no assunto, o projeto de neutralidade em escolas estaduais é considerado “grotesco” e uma afronta à liberdade de cátedra, preceito básico das escolas públicas.

Projeto de neutralidade em escolas foi aprovado por duas comissõs da Alesc – Foto: Freepik/ND
Em novembro de 2024, o projeto de neutralidade em escolas recebeu parecer favorável da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e em 25 de fevereiro, também foi aprovado pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público. Antes de ser encaminhado ao plenário para votação, será analidado pela Comissão de Educação, presidida por Luciane Carminatti (PT).
Especialista critica projeto de neutralidade em escolas
A reportagem do ND Mais conversou com o historiador, doutor em educação e professor no Centro de Ciências da Educação da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Jéferson Silveira Dantas, sobre o projeto de neutralidade em escolas. O especialista desaprova a proposta a medida.
“O artigo segundo revela que o projeto de lei tem as mesmas táticas e estratégias defendidas pelo movimento Escola Sem Partido, que são a censura à liberdade de cátedra e a orientação para que os alunos sejam ensinados pela convicção dos pais, ou seja, sem liberdade de expressão na escola”, avalia o especialista.
Na quarta-feira (5), o Poder Judiciário reconheceu que a lei estadual 18.637, denominada Escola Sem Partido, é inconstitucional. A medida foi sancionada em fevereiro de 2023, pelo governador Jorginho Mello (PL). A lei também é de autoria da deputada Ana Campagnolo (PL).

Proposta de lei que determina “neutralidade em escolas” é de autoria da deputada estadual, Ana Campagnolo (PL) – Foto: Rodolfo Espíndola/Agência ALESC/ND
Dentre os princípios do projeto de neutralidade em escolas (PL 0216/2024), conforme consta no texto aprovado nas comissões da Alesc, estão:
- I – Neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado;
- II – Reconhecimento da vulnerabilidade do educando como parte mais fraca na relação de aprendizado;
- III – Direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções;
- IV – Liberdade de crença;
- V – Garantir a imparcialidade e a equidade no tratamento dos estudantes.
O projeto de neutralidade em escolas também inclui penalidades a professores que se recusarem a participar do Programa de Conscientização sobre Ética Profissional para Servidores da Educação.
Aqueles que deixarem de comprovar a participação em um semestre deverão receber uma advertência, enquanto aqueles que não participarem por maior período deverão responder a um PAD (Processo Administrativo Disciplinar).
Proposta penaliza a educação pública, diz pesquisador
Segundo o doutor em Educação, a escola pública é um espaço de diálogo e construção de aprendizagem, que deve fomentar o debate e o senso crítico do educando.
“Esse projeto de lei condena, justamente, essas práticas. Dizer que o aluno é a parte mais frágil do processo de aprendizado é dizer que o aluno é tábula rasa, que ele não tem capacidade de interpretar, de problematizar e compreender”, afirma Jéferson Dantas.
“Estudantes estão na escola também para aprender a defender seus argumentos e posicionamentos políticos. As diferentes visões epistemológicas, que também são ideológicas porque a escola não é neutra, representam a síntese de uma escola e educação plural”, pontua Jéferson Dantas.
Para o especialista, o projeto de neutralidade em escolas pode ter o efeito contrário ao esperado e acabar precarizando, ainda mais, o ensino público de Santa Catarina.
“Impor, por um projeto de lei, que o professor fique amedrontado, que se ele não fizer os cursos será punido, é uma forma grotesca de penalizar a escola pública, os professores e estudantes”, acredita o doutor em Educação.

Projeto de neutralidade em escolas prevê a formação ética e política de professores da rede estadual – Foto: Freepik/ND
O que diz a legislação brasileira?
A Constituição Federal de 1988 garante, para todos os brasileiros, o direito de livre manifestação do pensamento e consciência, além de assegurar que ninguém será privado de seus direitos por motivo de convicção filosófica ou política, ao mesmo tempo em que é “atividade intelectual, artística, científica e de comunicação”. Isso se aplica a professores e estudantes.
A LDB 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), estabelece, dentre outras premissas, que a educação deverá ser “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”, indo ao encontro do que pontua a Constituição. Aos professores, segundo a determinação, caberá ministrar o ensino baseado, dentre outros itens, em:
- Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
- Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;
- Pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;
- Respeito à liberdade e apreço à tolerância.
Sindicato da categoria é contrário à medida
Em resposta à reportagem do ND Mais, o coordenador do Sinte-SC, Evandro Accadrolli, criticou o projeto de neutralidade em escolas e afirmou que a medida é uma “tentativa de perseguir professores na sua liberdade de cátedra”. “Há uma ideia de percepção e atuação política dos professores, que na realidade, não se confirma na prática do dia a dia”, afirmou em nota.
Para a entidade, a educação catarinense possui outros problemas reais e concretos, como a qualidade na estrutura, os investimentos e na valorização da categoria docente. “Várias unidades escolares da rede estadual não possuem aparelho de ar-condicionado e péssimas instalações elétricas que não suportam a carga”, disse Accadrolli.
“Os professores estão com dificuldade para trabalhar porque não têm estrutura, não são valorizados, estão desqualificados e sendo perseguidos. E a população, distraída com esse tipo de discurso que não se confirma no dia a dia nas escolas. Os professores mal conseguem discutir, de fato, as questões fundamentais da educação”, concluiu o coordenador do sindicato.
A reportagem do ND Mais entrou em contato com a deputada estadual e autora do projeto de neutralidade em escolas, Ana Campagnolo (PL), mas foi informada que a parlamentar não fala com jornalistas.