Filme marca volta de Bong Joon Ho à direção, seis anos depois de ganhar Oscar de Melhor Filme por ‘Parasita’. Robert Pattinson e Mark Ruffalo são destaques do elenco. Nas primeiras cenas, “Mickey 17” parece ser uma ficção científica engraçadinha. Um filme daqueles que se valem de um humor ácido e irônico para apenas fazer o público rir do inusitado. Só que as coisas não são bem o que parecem nesta longa, que estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (6).
É uma boa história contada de maneira impecável e com um elenco formado por ótimos atores e atrizes. Mas seu principal mérito é entregar uma obra que busca fugir do tradicional e apresentar uma experiência poucas vezes vistas numa superprodução de Hollywood.
Adaptada do livro “Mickey 7”, de Edward Ashton, a trama se passa alguns anos no futuro. Mickey Barnes (Robert Pattinson) monta um negócio com o amigo Timo (Steven Yeun). A empreitada dá errado, ele ficar com uma grande dívida com um agiota e decide deixar a Terra. Ele entra numa expedição colonizadora de um planeta distante, comandada pelo político Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e sua esposa Ylfa (Toni Collette, de “Hereditário”).
Assista ao trailer do filme “Mickey 17”
Só que ele não lê direito as cláusulas do contrato e acaba se tornando um tripulante da classe dos Descartáveis. O protagonista é colocado em diversas operações arriscadas para garantir o sucesso da expedição, mas que acabam por matá-lo. Porém, por ser Descartável, seu corpo é reconstituído numa espécie de impressora, apenas para ser submetido a novas missões perigosas e recomeçar seu ciclo de vida e morte.
Depois de 17 vezes “ressuscitado”, Mickey descobre uma nova cópia de si mesmo, o que é uma grave violação porque não podem existir múltiplos, sob pena de extermínio. Em sua busca para descobrir o que aconteceu, Mickey só pode contar com a ajuda de sua namorada Nasha (Naomi Ackie, de “Star Wars: Episódio IX”) para evitar que apaguem sua existência, ao mesmo tempo em que se envolve numa confusão que pode colocar toda a expedição em risco.
Perdidos no espaço
“Mickey 17” tem como diferencial a direção de Bong Joon Ho, que volta a comandar um projeto seis anos depois de ganhar os Oscars de Melhor Filme e Direção por “Parasita”. O cineasta sul-coreano, também conhecido por filmes como “Expresso do Amanhã” (2013) e “O Hospedeiro” (2006), tem uma visão peculiar para contar suas histórias. Fica claro que ele não mudou seu estilo à frente dessa produção que tem custo estimado em US$ 118 milhões.
Mickey (Robert Pattinson) realiza missões difíceis no espaço no filme ‘Mickey 17’
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O diretor e roteirista busca discutir as relações humanas que estão por trás do verniz de ficção científica, mas de uma forma pouco comum em superproduções. Por isso, ele conduz a trama num ritmo que às vezes é menos intenso e até contemplativo (especialmente nos momentos em que o protagonista questiona o que acontece em suas várias vidas).
Depois, o filme tem uma intensidade maior. É assim quando usa a sátira para criticar a estupidez de pessoas que estão em posição de comando. O roteiro consegue misturar política com religião, por meio dos personagens vividos por Ruffalo e Collette. As decisões desastradas desses dois resulta em alguns dos momentos mais engraçados.
O estilo próprio de Bong Joon Ho deixa sua história e as reviravoltas surgirem de forma inusitada. Mas também podem causar certa estranheza com o público em geral.
Kenneth Marshall (Mark Ruffalo) e sua esposa (Toni Collette) lideram uma expedição espacial em ‘Mickey 17’
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Se por um lado são muito bem-vindas as soluções encontradas para fugir do tradicional sempre que é possível, por outro lado o ritmo irregular prejudica algumas partes da história. Há trechos da trama que demoram muito a chegar a uma conclusão, por exemplo.
Um bom exemplo está numa sequência em que o protagonista tem que jantar com os seus comandantes e uma colega de tripulação. O desfecho dá a entender que vai acontecer algo bombástico, mas acaba ficando no meio termo. Além disso, nem todos os personagens são bem desenvolvidos. Eles não fariam falta na trama se não existissem.
Um é bom, dois é melhor…
Se há algo que é irretocável em “Mickey 17” é a sua parte técnica. Tudo no filme funciona neste aspecto, especialmente os efeitos visuais.
Mickey (Robert Pattinson) fica diante de sua duplicata no filme ‘Mickey 17’
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É impressionante o nível de realismo nas cenas em que Mickey precisa interagir com a sua contraparte. Parecem mesmo que são duas pessoas diferentes e os alienígenas que aparecem no longa também são bem realistas e convincentes.
O bom resultado dos personagens duplicados não seria obtido sem a ótima atuação de Robert Pattinson. O mais recente Batman consegue criar personalidades distintas para Mickey 17 e para o 18. O primeiro é um pouco mais puro e inocente (com voz em tom meio infantil, assim como o olhar), o segundo é mais malicioso e sério. É mais uma prova que Pattinson não é apenas um astro, mas também um dos atores mais interessantes a surgir nos últimos anos.
Outro que também merece destaque é Mark Ruffalo, que se esbalda com as expressões exageradas de seu personagem. Ele é um político que comete gafes (como precisar sempre de alguém para completar pensamentos), mas que tenta se mostrar mais inteligente do que é. Ele faz uma boa parceria com Toni Collette (também muito bem no papel).
Mark Ruffalo e Toni Collette vive um casal cheio de más intenções em ‘Mickey 17’
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Naomi Ackie (“Pisque duas vezes”) aproveita bem a oportunidade de ser a parceira do protagonist. Apenas Steven Yeun é desperdiçado por seu personagem não tão bem escrito e descartável. O que é uma pena, dado o talento do ator de “Treta” e “Minari”.
“Mickey 17”, embora não seja o melhor filme da carreira de Bong Joon Ho, pode servir como cartão de visitas para quem não viu nem mesmo o excelente “Parasita”. É uma ficção científica interessante que traz alguns dos elementos da filmografia do diretor, que sempre busca novas maneiras de discutir as relações humanas e o que nos torna únicos.
Mais uma vez, ele mostra o que as pessoas fazem diante de forças que parecem acima de nós mesmos. O filme só peca em não equilibrar tão bem os diversos gêneros que abraça, algo que inegavelmente ele conseguiu fazer com seu trabalho mais famoso. Ainda assim, o novo longa é bem acima da média do que chega aos cinemas. E isso é algo a ser valorizado.
g1