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Zelensky foi repreendido na frente na imprensa mundial, depois que Trump e seu vice-presidente, JD Vance, exigiram que ele mostrasse mais gratidão pelos anos de apoio dos EUA. Trump e Zelensky trocam farpas no salão oval
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, esperava deixar Casa Branca na sexta-feira (28) após uma rodada amigável de negociações com Donald Trump e a assinatura de um acordo que poderia garantir a segurança de seu país.
Em vez disso, Zelensky foi repreendido na frente na imprensa mundial, depois que Trump e seu vice-presidente, JD Vance, exigiram que ele mostrasse mais gratidão pelos anos de apoio dos EUA.
O presidente ucraniano também foi acusado de estar “jogando com a Terceira Guerra Mundial” ao não trabalhar mais por um cessar-fogo com a Rússia. Zelensky negou a afirmação, e suas contrapartes americanas responderam que ele estava sendo “desrespeitoso”.
Zelensky acabou sendo instruído a deixar a Casa Branca mais cedo e uma entrevista coletiva ao lado de Trump foi cancelada.
O acordo, pelo qual o ucraniano cederia a Washington a exploração dos recursos minerais de seu país em troca de algum tipo de apoio ou garantias de segurança contra a Rússia no conflito que começou em fevereiro de 2022, não foi assinado.
“Volte quando estiver pronto para a paz”, escreveu Trump nas redes sociais pouco antes de Zelensky deixar a Casa Branca.
Foram vários os pontos críticos dessa marcante reunião entre Ucrânia e Estados Unidos. Confira, a seguir, quatro dos momentos de maior tensão — e entenda o que pode ter colaborado para acirrar os ânimos em cada um deles.
1) Os ânimos se exaltam entre Zelensky e Vance
A reunião começou com cerca de meia hora de conversas cordiais e formalidades. Mas o clima de tensão se instalou no Salão Oval após Vance dizer que o “caminho para a paz e o caminho para a prosperidade talvez seja se envolver na diplomacia”.
“É isso que o presidente Trump está fazendo”, disse ele.
Zelensky interrompeu, afirmando que os episódios de agressão da Rússia começaram antes da invasão em grande escala à Ucrânia há três anos. “Ninguém o impediu”, disse ele sobre o presidente russo Vladimir Putin.
“De que tipo de diplomacia, JD, você está falando? O que você quer dizer?”, disse ele.
A troca então se tornou visivelmente tensa, com Vance respondendo: “o tipo que acabará com a destruição do seu país”.
O vice-presidente então acusou Zelensky de ser desrespeitoso e “litigar” a situação na frente da imprensa americana.
Foi a defesa de Vance da abordagem de Trump para acabar com a guerra — por meio do diálogo com Putin e pressão por um cessar-fogo rápido — que primeiro aumentou as tensões com o líder ucraniano.
2) ‘Não nos diga o que vamos sentir’
Depois que Vance questionou o presidente ucraniano sobre os problemas que ele teve com o Exército e o recrutamento em seu país, Zelensky respondeu: “Durante a guerra, todo mundo tem problemas, até você. Mas você tem um oceano bonito e não sente [isso] agora, mas sentirá no futuro.”
O comentário irritou Trump e o levou ao confronto que até então tinha sido limitado a Zelensky e o vice-presidente.
O líder ucraniano pareceu sugerir que Trump não conseguiu entender o risco moral de negociar com o agressor dessa guerra.
O comentário de Zelensky tocou no cerne do que os críticos dizem ser o erro de cálculo fundamental de Trump ao lidar com a Rússia. Que ao acabar com o isolamento de Moscou e buscar um cessar-fogo rápido, ele corre o risco de encorajar Putin, enfraquecer a Europa e deixar a Ucrânia aberta para ser devorada.
Trump tende a caracterizar a guerra como uma espécie de conflito binário entre dois lados que devem assumir sua parcela de fardo ou culpa pela luta e suas causas.
Mas Zelensky estava tentando alertar sobre as consequências catastróficas desse pensamento. Com seu comentário, o líder ucraniano basicamente disse a Trump: reconcilie com a Rússia, e a guerra virá até você.
Isso desencadeou a maior reação de Trump. “Não nos diga o que vamos sentir. Você não está em posição de ditar isso”, ele disse, sua voz ficando mais alta.
“Você não dá as cartas agora”, ele disse a Zelensky. “Você está apostando com milhões de vidas.”
A troca acalorada rendeu aplausos a Zelensky entre aqueles que queriam vê-lo enfrentar Trump. Mas o momento também pode influenciar uma era de guerra e paz na Europa.
3) ‘Você não estava sozinho’: Trump rebate
Em um ponto posterior da conversa, Zelensky disse: “Desde o início da guerra, estivemos sozinhos e somos gratos.”
Isso irritou Trump, que já afirmou diversas vezes que a guerra na Ucrânia está drenando os bolsos dos contribuintes americanos.
“Você não esteve sozinho”, ele disse. “Você não esteve sozinho. Nós demos a você – por meio deste presidente estúpido – US$ 350 bilhões”, disse Trump, fazendo uma referência a Biden.
Vance então perguntou se Zelensky havia agradecido aos EUA durante a reunião e o acusou de fazer campanha “pela oposição” – os democratas – durante a eleição dos EUA no ano passado.
O comentário foi uma referência a uma visita que Zelensky fez a uma fábrica de munições em Scranton, Pensilvânia – cidade natal de Joe Biden – poucas semanas antes de os americanos irem às urnas na eleição de novembro.
Os republicanos ficaram indignados com a visita, acusando Zelensky de transformar a excursão em um evento de campanha partidária em nome de Kamala Harris em um Estado importante para a votação.
Naquele momento, a política interna extremamente polarizada dos Estados Unidos entrou em cena durante o encontro crítico para o futuro da segurança global.
“Por favor, você acha que se falar muito alto sobre a guerra…”, Zelensky começou a dizer, apenas para Trump interrompê-lo.
“Ele não está falando alto”, Trump retrucou, visivelmente irritado. “Seu país está em apuros.”
“Você não está ganhando, você não está ganhando isso”, disse Trump. “Você tem uma boa chance de sair bem por nossa causa.”
Bate-boca na Casa Branca: Volodymyr Zelensky e Donald Trum discutem
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4) Zelensky reage — a que custo?
“Vai ser muito difícil fazer negócios assim”, disse Trump. “Vai ser um acordo difícil de fazer porque as atitudes precisam mudar.”
O presidente e o vice-presidente repreenderam Zelensky, parecendo irritados com o a “atitude” do ucraniano.
“Apenas diga obrigado”, Vance exigiu em um ponto.
As respostas de Zelensky – que pareciam tentar corrigir algumas das informações ditas pelos dois americanos e defender sua causa – pareciam motivadas pela natureza existencial daquele momento.
Ele passou três anos defendendo seu país da invasão, enquanto também tentava manter unida uma sociedade e sua liderança política que Putin tentou separar.
Naquele momento, todos os olhos estavam focados no debate acalorado que ocorria na sala. Mas fora da tomada da câmera principal, a embaixadora de Zelensky em Washington, Oksana Markarova, foi vista com a cabeça entre as mãos enquanto as tensões cresciam.
É uma imagem que resume a posição diplomática de Zelensky e seu relacionamento – pelo menos até agora – com seu patrocinador superpoderoso na tentativa de repelir a Rússia. Enfrentar Trump como ele fez na sexta-feira pode, no final das contas, significar perder para Putin.