Joyce Moreno expõe a leveza da bossa carioca em show, ‘O janeiro do Rio’, com a verve do convidado Jards Macalé


Inclusão de ‘Vapor barato’ no roteiro motivou saudação à atriz Fernanda Torres, que cantou a música no filme ‘Terra estrangeira’, do diretor Walter Salles. Joyce Moreno cai no suingue do samba à moda carioca no show ‘O janeiro do Rio’, estreado no Teatro Ipanema na noite de ontem, 7 de janeiro
Andrea Nestrea / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: O janeiro do Rio
Artistas: Joyce Moreno com participação de Jards Macalé
Data e local: 7 de janeiro de 2025 no Teatro Ipanema (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★ 1/2
♪ Antes de cantar Ela é carioca, samba apresentado em 1963 pelo grupo Os Cariocas, Joyce Moreno confidenciou ao público do Teatro Ipanema que, adolescente, imaginava se teria sido a musa inspiradora dos compositores Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994) e Vinicius de Moraes (1913 – 1980) na criação desse samba cheio de bossa. Provavelmente não foi, mas bem poderia ter sido. Pois a música e o espírito livres de Joyce Silveira Moreno figuram entre as mais completas traduções da cidade do Rio de Janeiro (RJ).
A cidade natal da artista norteou o roteiro do show O janeiro do Rio, estreado na noite de ontem, 7 de janeiro, em apresentação que reabriu o palco do reformado Teatro Ipanema para a música, dentro do projeto Terças no Ipanema, cuja programação prevê shows do cantor Pedro Luís em fevereiro e do grupo Boca Livre em março.
Nas terças-feiras de janeiro, Joyce vai se apresentar com convidados. O do show de ontem – e também convidado do show da próxima terça-feira, 14 de janeiro – foi Jards Macalé, primeiro parceiro de Joyce, com quem a cantora compôs e gravou Choro chorado no primeiro álbum, lançado em 1968.
Joyce Moreno se diverte com as histórias contadas por Jards Macalé no palco do Teatro Ipanema na estreia do show ‘O janeiro do Rio’
Andrea Nestrea / Divulgação
Também carioca, mas dono de cancioneiro autoral mais nublado, Macalé dividiu com Joyce um bloco pautado por celebrações da manemolência do samba de Dorival Caymmi (1914 – 2008) no canto revolucionário de João Gilberto (1931 – 2019), evocados através das belas lembranças de Doralice (Dorival Caymmi e Antônio Almeida, 1945) e Saudade da Bahia (1957).
Entre um samba e outro, Joyce e Macalé mandaram Um abraço do João, parceria deles, apresentada no álbum Síntese do lance (2021) – gravado por Macalé com João Donato (1934 – 2023) – e revitalizada na gravação (bem) mais sedutora que uniu os compositores em single editado em agosto de 2024.
Em set solo, Macalé surpreendeu ao cantar samba menos envolvente – Sim ou não (Geraldo Gomes Mourão), gravado pelo artista no álbum Contrastes (1977) – entre dois standards do próprio cancioneiro, Movimento dos barcos (Jards Macalé e José Carlos Capinan, 1972) e Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971).
O canto de Vapor barato foi pretexto para saudações à atriz Fernanda Torres, que cantou essa música em Terra estrangeira (1995), filme do mesmo diretor Walter Salles que fez Ainda estou aqui (2023), blockbluster que levou Fernanda a conquistar um Globo de Ouro de melhor atriz na madrugada de segunda-feira, 6 de janeiro, para felicidade e glória do Brasil.
Show de vozes e violões (e o tocado por Joyce é de imensa superioridade, como observou em cena um reverente Macalé), O janeiro do Rio somente perdeu a leveza carioca quando, a título de curiosidade, Joyce e Macalé cantaram música de tom seresteiro, Poema da rosa (1969), composta por Macalé a partir de versos do poeta e dramaturgo alemão Bertolt Brecht (1898 – 1956) em tradução para o português de Augusto Boal (1931 – 2009).
Em contrapartida, toda a parte solo de Joyce Moreno exprimiu a alma da cidade do Rio de Janeiro (RJ) no roteiro aberto com Tardes cariocas (1983) – música autoral que batizou álbum lançado pela artista em 1983 e cuja letra traz o verso (“Janeiro no Rio é sempre no verão”) que inspirou o título do show – e fechado, já no bis, com a marcha Cidade maravilhosa (André Filho, 1934), hino extraoficial carioca, cantado por Joyce e Macalé (de volta ao palco para o bis) em clima de congraçamento.
Antes, a artista realçou em Puro ouro (Joyce Moreno, 2012) o dom carioca de compor e cantar samba, deu voz à canção Mistérios (Mauricio Maestro e Joyce Moreno, 1978) e puxou samba-enredo do bamba carioca Paulinho da Viola, Amor à natureza (1975) – pioneiro na defesa da causa ambiental – antes de cair no Samba do carioca (Carlos Lyra e Viniicius de Moraes, 1964).
Tudo foi cantado e tocado com a bossa, a divisão e o violão singulares de Joyce, compositora pioneira na luta por uma escrita feminina. O que legitimou o feminista bloco autoral que arrematou o show (antes do bis) com os sambas A velha maluca (2018), Mulheres do Brasil (1988) e Feminina (1979).
Valorizada pela verve de Jards Macalé, que divertiu o público sobretudo quando contou a história que o levou a compor Um abraço do João, a estreia do show O janeiro do Rio confirmou o que todo mundo no Teatro Ipanema já sabia: a música de Joyce Moreno é puro ouro, no verão e também em qualquer outra estação. É que ela, a artista e a música, é carioca, ela é carioca…
Joyce Moreno e Jards Macalé dividem o palco do reformado Teatro Ipanema em show que reabriu o espaço para a música
Andrea Nestrea / Divulgação
♪ Eis o roteiro seguido em 7 de janeiro de 2025 por Joyce Moreno (com Jards Macalé) na estreia do show O janeiro do Rio no Teatro Ipanema, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), dentro do projeto Terças no Ipanema :
Joyce Moreno:
1. Tardes cariocas (Joyce Moreno, 1983)
2. Puro ouro (Joyce Moreno, 2012)
3. Mistérios (Maurício Maestro e Joyce Moreno, 1978)
4. Monsieur Binot (Joyce Moreno, 1981)
5. Ela é carioca (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1963)
6. Amor à natureza (Paulinho da Viola, 1975)
7. Samba do carioca (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes, 1964)
Joyce Moreno com Jards Macalé:
8. Doralice (Dorival Caymmi e Antonio Almeida, 1945)
9. Um abraço do João (Jards Macalé e Joyce Moreno, 2021)
Jards Macalé:
10. Movimento dos barcos (Jards Macalé e José Carlos Capinan, 1972)
11. Sim ou não (Geraldo Gomes Mourão, 1977)
12. Vapor barato (Jards Macalé e Waly Salomão, 1971)
Joyce Moreno e Jards Macalé:
13. Poema da rosa (Jards Macalé a partir de poema de Bertolt Brecht em tradução de Augusto Boal para o português, 1969)
14. Saudade da Bahia (Dorival Caymmi, 1955)
Joyce Moreno:
15. A velha maluca (Joyce Moreno, 2012)
16. Mulheres do Brasil (Joyce Moreno, 1988)
17. Feminina (Joyce Moreno, 1979)
Bis:
Joyce Moreno e Jards Macalé:
18. Cidade maravilhosa (André Filho, 1934)

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