FBC ‘quis ser Jorge Ben’ em disco que troca funk por dance music e tem letras de crise existencial


Dono do hit ‘Se Tá Solteira’ estreia como tecladista em álbum introspectivo que fala de amor, rede social e futuro da humanidade. FBC lança álbum após sucesso de ‘Baile’
Quando o Brasil começou, enfim, voltar a frequentar festas aglomeradas após anos de isolamento, pessoas de norte a sul do país deram play no álbum que fez do mineiro FBC um dos artistas mais ouvidos nas plataformas de música daquele período.
Lançado em novembro de 2021, “Baile” deu à catarse pós-pandêmica um som retrô, transportando seus ouvintes aos bailes funk da década de 1990, com batidas herdeiras do miami bass e letras que faziam uma multidão cantar em coro: “Cheirosa, charmosa/ Nossa, que mulher gostosa”.
Capa de ‘Baile’, de FBC
Divulgação
O disco foi o responsável por popularizar o nome do músico para além do circuito rapper de Belo Horizonte. Foi com ele que FBC viveu o grande auge de sua carreira, de cerca de 18 anos.
Agora, quase um ano e meio depois de “Baile”, o mineiro lança um álbum que pouquíssimo tem a ver com o anterior.
Depois do boom, o medo
“O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta” (um disco de nome grandão) deixa de lado a estética funkeira para abraçar a dance music.
“No começo de 2022, tive muito receio: ‘vou ter que fazer fanservice para manter o público com a fórmula daquilo que deu certo?’”, conta o mineiro, em entrevista ao g1.
“Mas, depois que comecei a fazer aula de piano, o medo foi sumindo. Vi que ainda não sabia nada de música.”
O artista diz que, ao contrário de “Se Tá Solteira”, de “Baile”, o novo álbum não tem nenhuma composição feita sob a intenção de estourar no TikTok.
O artista FBC
Bel Gandolfo
Ele diz ainda que a decisão só foi possível por ele ser um artista “no limbo entre o underground e mainstream”, o que teria lhe dado liberdade artística suficiente para dar os ombros ao aplicativo.
O mineiro afirma que este é o projeto musical mais caro de sua carreira — tanto em termos de dinheiro quanto de profundidade.
Ser ou não ser
“Quando a gente entende de música, das doze notas musicais, entrega um trabalho melhor”, diz FBC. “Antes eu queria muito ser MC para que minha palavra mudasse a vida das pessoas. Mas hoje quero ser um grande tecladista para que outras pessoas também queiram.”
Reflexo de seu recente interesse por piano, o disco explora bastante linhas instrumentais em crescentes células rítmicas de teclado, trompete, trombone, saxofone, bateria e guitarra.
No restante de sua discografia, em que explorou mais palavras do que instrumentos, o mineiro abordou temas sociais como violência policial, racismo e dilemas periféricos.
Agora, ele se debruça sobre questões filosóficas mais introspectivas, que remetem a uma crise existencial do tipo “ser ou não ser”. Fala de romance, rede social e futuro da humanidade. É como se seu novo trabalho fosse um divisor de águas na carreira.
O artista FBC
Bel Gandolfo
EDM de favela
Crescido na periferia de Vilarinho, na capital mineira, o artista começou a frequentar batalhas de rap nos anos 2000. Em 2015, entrou para o grupo DV Tribo, formado por Hot, Oreia, Djonga, Coyote Beatz e Clara Lima. Ali ganhou o apelido de Padrim, numa referência à benção artística que deu aos colegas.
Em 2018, DV Tribo se desmanchou e, assim como seus demais integrantes, FBC foi seguir carreira solo. Lançou “S.C.A”, no mesmo ano, e “Padrim”, em 2019, quando ganhou grande destaque na cena musical de BH.
Então, veio “Outro Rolê”, em 2021, e logo em seguida, seu quarto e mais famoso álbum, “Baile”. Nele, o rapper fincou de vez sua fama, ao lado de Vhoor — que também assina a obra — e se jogou no que chama de “música eletrônica de favela”, estética que diz ter mantido no novo álbum, apesar das diferenças.
“Por que não pertencer à categoria?”, questiona. “[‘O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta´] é nada a menos do que a minha evolução nesses equipamentos, nessa estrutura.”
O artista FBC
Bel Gandolfo
Um alquimista está chegando
“Quis ser Jorge Ben Jor”, afirma FBC sobre seu novo trabalho, se referindo à índole mística e romântica do autor de sucessos como “Tábua de Esmeralda” (1974) e “África Brasil” (1976).
“Letras de amor, de viagens, de olhar para as estrelas e imaginar outros planetas habitáveis. Tudo isso é o Jorge. É o que tem de mais brasileiro na música. Por isso, chamo esse [meu novo] álbum de ‘Jorgebengístico’.”
Com 15 faixas, das quais duas são um monólogo de frases do filme “Ad Astra” (2019), de James Gray, o disco traz participações de Don L, Nill e Abbot.
É uma obra de atmosfera futurista e, ao mesmo tempo, nostálgica. Estão ali balanços de deep house, eurodance e amapiano entregando uma pista de dança ao ouvinte.
O artista FBC
Bel Gandolfo
Vilarinho vai à Europa
FBC conta que, embora “O Amor, o Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta” chegue só agora, sua produção começou antes mesmo de “Baile”.
Após viajar à Suíça, em 2020, o rapper ficou fascinado pelas batidas eletrônicas que tomaram a Europa dos anos de 1980 e, tempos depois, foram repaginadas pela black music nos Estados Unidos.
No ano seguinte à viagem, ele começou a desenvolver “Madrugada Maldita” e a ideia do álbum, que define como uma “ordem cronológica da dance music”.
O músico afirma que depois de ir a um show Hermeto Pascoal percebeu que precisava estudar mais arranjos sonoros e, então, decidiu começar suas aulas de piano.
Foi quando entendeu “tudo o que o instrumental tem a dizer”. Antes disso, segundo ele, não havia tido tal oportunidade, justamente por ser um músico da periferia.
“A galera de BH é muito criteriosa, por conta do ‘Clube da Esquina’ e dos grandes mestres [da música local]. Sempre achei um pouco elitista. Mas, hoje, as pessoas da academia carregam menos preconceito”, diz ele. “Pô, quem vai ter tempo para estudar teclado sendo favelado? Quem tem dinheiro para um trompete? Para comprar um saxofone?”
“Entrei no rap porque o rap é um grande questionador do capitalismo.”
O limbo do MC
Apesar de agora estar na pista da dance music, FBC afirma que nunca deixará de ser MC e critica rappers que fazem músicas de ostentação.
“É uma violência simbólica gigantérrima”, diz o mineiro.”Quando você ouve o cara dizer ‘eu ganho num dia o que você ganha num ano ou numa vida’ é violento. Não sou o dono da moral. Quem sou eu para falar qualquer coisa? Mas quero questionar essa parada. É justo pela minha história.”
Indagado sobre quais rappers, ou canções, que seguem o caminho do qual critica, o músico não cita nomes e afirma que a questão se trata de um problema maior.
“Não posso colocar a culpa no trap, ou no funk”, diz. “É um sinal dos tempos. E quem se dispõe a fazer algo diferente cai no limbo onde estou.”

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