Culpar e tentar tirar de cena artistas do funk e do rap, como Oruam, é ação tão condenável quanto a apologia ao crime


Oruam tem o nome associado a um projeto de lei
Reprodução / Instagram Oruam
♫ OPINIÃO
♩ “Não tenho culpa do pai que eu tenho. Não sou bandido. Sou artista”, desabafou Oruam, filho do traficante conhecido como Marcinho VP, no início do mês quando um policial militar teve questionada a razão de ter feito foto com Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, nome artístico desse rapper carioca surgido em 2021 e em evidência desde 2022 na cena do trap.
Sim, MC’s do funk e do rap são artistas, embora volta e meia alguém de outra camada social tente enquadrá-los como se eles fossem bandidos, os fora-da-lei.
Não por acaso, a discussão do universo pop no momento é sobre a lei Anti-Oruam, como vem sendo chamado o projeto de lei proposto pela vereadora Amanda Vettorazzo, do partido União Brasil de São Paulo, para impedir a contratação com dinheiro público de shows de artistas que fazem apologia ao crime e apologia ao uso de drogas.
O projeto não cita o nome de Oruam, mas o apelido – dado pela próprio vereadora – já deixa explícito quem é o alvo do projeto.
“Eles sempre tentaram criminalizar o funk, o rap e o trap. Coincidentemente, o universo fez um filho de traficante fazer sucesso e eles encontraram a oportunidade perfeita pra isso. Virei pauta política. Mas o que vocês não entendem é que a lei anti-Oruam não ataca só o Oruam, mas todos os artistas da cena”, argumentou Oruam em rede social.
O rapper tem razão. Atacar a apologia ao crime é uma coisa porque crimes jamais podem ser incentivados em letras de música ou em qualquer outro meio de expressão, assim como é intolerável qualquer verso que incite ou exalte práticas racistas e de violência contra as mulheres, para citar outras duas ações intoleráveis e passíveis de punições com o rigor da lei. Agora tentar criminalizar um artista como se ele fosse bandido é outra, e bem diferente.
Em essência, o caso Oruam repõe em pauta uma questão complexa: como definir o limite da liberdade da expressão? A liberdade de expressão é o motor dos regimes democráticos. Mas há limites. E é por existirem limites que o rapper norte-americano Kanye West vem sendo atacado e cancelado – também com razão – por comentários antissemitas e por vender camisetas com propagandas nazistas.
Só que é preciso bom senso para detectar onde há real apologia ao crime – e essa prática, sim, deve ser combatida – e onde há somente uma narrativa fictícia sobre o universo do crime, assunto de letras de rappers nascidos e criados em comunidades onde a violência provocada pelo crime infelizmente é parte da rotina.
É preciso que, além de bom senso, haja boa vontade de toda a sociedade com o som de artistas do rap e do funk, gêneros historicamente criminalizados por puro preconceito social (como foi o samba nos já longínquos anos 1930).
Tentar tirar de cena Oruam (ou qualquer outro artista desses gêneros), como parece ser a intenção velada de muita gente, é somente exercer a censura, prática tão condenável quanto a apologia ao crime.

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