As acusações do governo Trump contra o Brasil antes de dia do tarifaço global


Presidente americano prometeu revelar uma enorme lista de impostos de importação nesta semana para todos os países. Donald Trump prometeu revelar uma enorme lista de impostos de importação nesta semana para todos os países
EPA via BBC
Na véspera do esperado anúncio do presidente americano Donald Trump de uma série de novas tarifas contra diversos países do mundo, o governo dos EUA divulgou um relatório detalhado no qual analisa as práticas comerciais de diversos países do mundo — inclusive o Brasil, que é acusado de “falta de previsibilidade” no documento.
O presidente americano se prepara para revelar uma enorme lista de impostos de importação nesta quarta-feira (2/4) para todos os países, não só aqueles com desequilíbrio comercial com os EUA.
Trump está chamando esse dia de “Dia da Libertação da América”.
O departamento de comércio do governo americano (USTR, na sigla em inglês) publicou na terça-feira (31/3) seu relatório anual Estimativa Nacional de Comércio, no qual detalha as barreiras comerciais enfrentadas pelos exportadores americanos.
O relatório é usado para ajudar o governo americano a determinar sua política comercial com outros países.
“Nenhum presidente americano na história moderna reconheceu as barreiras comerciais externas abrangentes e prejudiciais que os exportadores americanos enfrentam mais do que o presidente Trump”, disse diretor do USTR, Jamieson Greer, ao divulgar o relatório.
“Sob sua liderança, esta administração está trabalhando com diligência para abordar essas práticas injustas e não recíprocas, ajudando a restaurar a justiça e a colocar as empresas e os trabalhadores americanos em primeiro lugar no mercado global.”
Os EUA já haviam anunciado nas últimas semanas tarifas de importação sobre alumínio e aço que tiveram impacto direto na indústria brasileira.
A postura mais dura de Trump aumentou o nervosismo sobre uma guerra comercial atingindo a economia global. Mercados de ações tiveram forte queda esta semana.
‘Tarifas altas’ e ‘falta de previsibilidade’
O Brasil é destacado em seis das 397 páginas do relatório do governo americano.
“O Brasil impõe tarifas relativamente altas sobre importações em uma ampla gama de setores, incluindo automóveis, peças automotivas, tecnologia da informação e eletrônicos, produtos químicos, plásticos, máquinas industriais, aço e têxteis e vestuário”, afirma o documento americano.
“Os exportadores dos EUA enfrentam incertezas significativas no mercado brasileiro porque o governo frequentemente modifica as taxas tarifárias dentro das flexibilidades do Mercosul.”
“A falta de previsibilidade com relação às taxas tarifárias torna difícil para os exportadores dos EUA preverem os custos de fazer negócios no Brasil.”
Há uma série de reivindicações específicas sobre os problemas da relação comercial entre EUA e Brasil, do ponto de vista de produtores americanos e do governo.
É o caso do etanol, por exemplo. O relatório Estimativa Nacional de Comércio diz que entre 2011 e 2017, o comércio do produto entre EUA e Brasil era praticamente livre de tarifas. Em setembro de 2017, o Brasil começou a impor tarifas. Desde 2024, o Brasil impõe tarifa de 18% sobre o etanol americano, segundo o relatório.
“Os Estados Unidos continuam se engajando com o Brasil para reduzir sua tarifa de etanol para fornecer tratamento recíproco ao comércio de etanol entre os EUA e o Brasil.”
O relatório destaca alguns impostos do Brasil que têm impacto sobre produtos americanos:
IPI de 19,5% sobre bebidas alcoólicas (contra 16,25% de IPI sobre a cachaça);
impostos do setor audiovisual que incidem apenas sobre programas e filmes estrangeiros que passam nos cinemas e na televisão brasileira;
O governo americano também registra a reclamação de alguns setores americanos a regras de licenciamento de importação — produtos e serviços que precisam de uma autorização específica de ministérios e agências para poderem ser importados.
É o caso, por exemplo, de bebidas e farmacêuticos, que precisam de liberação do ministério da Agricultura e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), respectivamente.
Americanos reclamam de proteção ao etanol e combustíveis renováveis no Brasil
Getty Images via BBC
“Uma lista de produtos sujeitos a procedimentos de licenciamento de importação não automáticos está disponível no sistema de documentação informatizada da Secretaria de Comércio Exterior, mas informações específicas relacionadas a requisitos de licenciamento de importação não automático e explicações para rejeições de pedidos de licença de importação não automáticos não estão disponíveis”, diz o governo americano.
“A falta de transparência em torno desses procedimentos é um impedimento para as exportações dos EUA.”
O governo americano cita que há reclamações de exportadores americanos de calçados e vestuário e do setor automotivo.
“Para automóveis, atrasos na emissão de licenças de importação não automáticas afetam negativamente as exportações de automóveis e peças automotivas dos EUA para o Brasil.”
“As empresas dos EUA continuam reclamando de requisitos de documentação inconsistentes para a importação de certos tipos de bens, como equipamentos pesados. Esses requisitos de documentação se aplicam mesmo se as importações forem temporárias e destinadas ao uso em outros países.”
Transferência de dados e combustíveis renováveis
Na parte de tecnologia, os americanos reclamam da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) do Brasil, que restringe a transferência de dados pessoais para fora do Brasil.
“Os regulamentos que implementam essas restrições foram publicados em agosto de 2024, com um período de transição de 12 meses para as empresas. A implementação tardia de mecanismos aprovados para transferências internacionais de dados (por exemplo, certificações, códigos de conduta e cláusulas contratuais) criou incerteza para as empresas e obstáculos ao processamento e compartilhamento rotineiros de dados para fins comerciais”, diz o governo americano.
“Os EUA incentivaram o Brasil a trabalhar em estreita colaboração com empresas e organizações afetadas pela LGPD para resolver problemas de implementação e execução de forma razoável e consistente.”
Sobre o programa RenovaBio, de promoção de energia renovável, o governo americano reclama que as empresas americanas não podem participar do mercado de créditos de carbono — um pleito dos EUA junto ao governo brasileiro.
Na agropecuária, os produtores americanos de carne suína pedem acesso ao mercado brasileiro.
“O mercado do Brasil ainda está fechado para carne suína fresca e congelada dos EUA devido às preocupações do Brasil de que os produtos de carne suína importados para os EUA da União Europeia aumentam os riscos associados à Peste Suína Africana”, afirma o relatório.
“O Brasil não forneceu evidências científicas que apoiem a proibição e a ela parece ser inconsistente com os padrões internacionais da Organização Mundial de Saúde Animal. As discussões entre o departamento de Agricultura dos EUA e o ministério da Agricultura do Brasil estão em andamento, mas ainda precisam estabelecer acesso para exportações de carne suína dos EUA para o Brasil.”
O governo americano reclama também:
das regras de licitações governamentais — que só incluem empresas estrangeiras quando não há alternativas disponíveis com mão-de-obra nacional;
da falta de penalidades e fiscalização sobre pirataria, tanto online como de produtos físicos;
da tarifa de 60% em cima de produtos importados pela Declaração Simplificada de Importação;
da obrigatoriedade de residentes no Brasil serem responsáveis por administrar instituições financeiras, como bancos.
Reação do Brasil
O Brasil prepara uma resposta à guerra comercial de Trump.
Uma comissão do Senado deve votar nesta terça-feira (1/4) um projeto que cria a Lei da Reciprocidade.
O texto prevê que o Conselho Estratégico da Câmara de Comércio Exterior (Camex) seja o órgão responsável por medidas de retaliação a “ataques à soberania do Brasil”.
O projeto de lei afirma que “as contramedidas previstas deverão ser, na medida do possível, proporcionais ao impacto econômico causado pelas ações, políticas ou práticas”.
A Lei da Reciprocidade prevê que a Camex realize consultas públicas com partes interessadas, determine prazos para análise de reclamações e sugira contramedidas.
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