Weyes Blood vem ao Brasil com pop intenso e experimental: ‘Quero chorar as lágrimas do mundo’


Cantora é atração do C6 Fest, que começa nesta sexta (18) em SP. Ao g1, ela exalta Mutantes e conta como juntou criação religiosa e trilhas de terror para virar ‘Joni Mitchell millennial’. A cantora americana Natalie Mering não vem ao Brasil para te entreter. Desde que adotou o nome artístico Weyes Blood, aos 15 anos, ela quer fazer uma música nada ordinária: um folk barroco orquestrado psicodélico e melancólico sobre o ódio por aplicativos de paquera, a crise climática ou a obsolescência programada de aparelhos eletrônicos.
“Meu objetivo sempre foi fazer essa coisa impossível que é criar uma bela música sobre viver agora, sobre esse isolamento tecnológico com o qual lidamos, por exemplo”, ela conta ao g1, antes de se apresentar no C6 Fest, em São Paulo, nesta sexta-feira (veja programação completa abaixo).
Para chegar até aqui, a cantora de 34 anos perambulou pelos Estados Unidos: da infância em uma cidade de 8 mil pessoas na Pensilvânia à busca por uma carreira musical em Portland, Filadélfia, Nova York e Los Angeles.
Também foi passeadora de cachorros e vendedora em loja de discos, antes de tocar e cantar em projetos tão experimentais quanto barulhentos: as bandas Jackie O-Motherfucker e Satanized. O pai teve uma banda de new wave que fez (pouco) sucesso no começo dos anos 80. Sumner, nome do pai e da banda, chamou mais a atenção por ter namorado famosas como Anjelica Huston e Joni Mitchell.
Mais de 50 anos depois, hoje a filha dele é chamada pelos mais afoitos de “Joni Mitchell millennial”. Ela não rejeita o rótulo, mas também já ouviu gente a comparando com Enya, Kate Bush, Karen Carpenter e até Lana Del Rey, com quem dividiu estúdios e palcos.
A maior influência, no entanto, não parece vir dos Estados Unidos. Vem dos céus. Os pais de Natalie são membros da Igreja Pentecostal, movimento de renovação do cristianismo surgido nos Estados Unidos no começo do século 20. Esse “cristianismo new age”, nas palavras dela, a ajudou na construção da persona que fãs brasileiros poderão ver ao vivo pela primeira vez.
Leia a entrevista de Weyes Blood, que tem nome inspirado no livro “Wise Blood” (1952) de Flannery O’Connor, ao g1.
g1 – Quais as primeiras coisas que vem na sua mente quando você ouve falar de Brasil e de música brasileira?
Weyes Blood – Ai, cara… Hmmm. Os Mutantes, obviamente. E a comida brasileira. Acho que isso vem na minha cabeça: comida e Os Mutantes. É, são essas duas coisas que mais me deixam animadas quando ouço falar do Brasil.
g1 – Você ficou sabendo que a vocalista, Rita Lee, faleceu recentemente?
Weyes Blood – Sim, soube que ela morreu, sim… [consternada]
g1 – E por que você gosta tanto dos Mutantes?
Weyes Blood – Eles são tipo os Beatles brasileiros. Quando eu os descobri, achei tão inacreditável, sabe? É divertido, bonito, melódico, emocionante… daí, eu pesquisei mais sobre o movimento da Tropicália e as implicações políticas de ser uma banda como esta naquela época. Era uma parada muito revolucionária e fodida mesmo.
Eu sei que houve muitas bandas populares dos Estados Unidos e do Reino Unido com uma pegada revolucionária, mas não era tão profundo quanto a Tropicália, que era tão fascinante, porque a música é incrível. Mas também havia outra coisa acontecendo nos bastidores. Tudo era divertido e ao mesmo tempo muito sério, muito político, sabe?
g1 – Falando do começo da sua carreira… o que seu passado no Jackie O-Motherfucker e no Satanized trouxe para a música que você faz hoje?
Weyes Blood – Foi muito divertido ser uma cantora do underground, porque era uma comunidade tão intensa que quase se desenvolveu como uma religião, um culto ou algo assim. Então, estar na música experimental é onde formei muitas das minhas ideias e dos conceitos do porquê de fazermos isso e qual é o propósito. E eu acho que foi uma experiência formativa muito libertadora. Era como se eu estivesse fazendo exclusivamente improvisação em quase todas as músicas.
“Acho que você pode aprender muito sobre som e a estrutura da música apenas tocando. Era como se eu fosse uma escultora que pode passar um ano inteiro quebrando mármore só para ver como ele se quebra.”
Foi assim que eu me sentia: como se tivesse passado muito tempo apenas quebrando o som e vendo como ele se desintegrava. Então, quando cheguei na hora de esculpir, de fazer músicas estruturadas, eu sabia muito sobre o mármore.
Weyes Blood em foto do ensaio do álbum ‘Titanic Rising’, de 2019, com o cartaz da banda do pai (Sumner) ao fundo
Divulgação/Sub Pop
g1 – Eu tive uma infância e adolescência em uma família religiosa… Como a sua infância em uma família bastante religiosa te influenciou a ser a artista que você é hoje. Tem algo que vai além do seu apreço por mitos e por coisas inexplicáveis?
Weyes Blood – Fui criada em meio a uma verdadeira apreciação por esses conceitos espirituais invisíveis. Embora houvesse alguns valores que acabaram sendo restritivos e muito conservadores, eu meio que aprendi a encontrar os aspectos mais positivos disso. Foi como ativar um modo de sobrevivência, porque acho que eu não queria me atrapalhar pelo quão estranho era ser criada de forma tão diferente dos meus colegas. Foi quase como vir ao mundo sem o mesmo tipo de experiências culturais dos outros, porque meus pais eram tão… você sabe, eles meio que não me deixavam participar de certas coisas mais mundanas.
Então, eu acho que ter uma educação tão específica costumava parecer uma desvantagem, mas agora parece um dom estranho que eu tenho. Eu tenho uma reverência pela música sacra, uma reverência por essas ideias e conceitos válidos da religião. Acho que podemos concordar sobre a importância dos conceitos de graça e salvação, sem nos importar com religião. Pensar nessa caminhada da vida é algo que nos dá esperança, que nos faz pensar em algo maior do que você mesmo. Então eu meio que fiz um acordo com isso. E eu celebro minha criação de uma outra forma. Por muitos anos, eu tentava me desvencilhar daquilo e agora posso olhar para trás e pensar: “Ok, há alguns aspectos positivos”.
g1 – Quando você era mais nova, você não podia ver filmes de terror. Depois, começou a ver muito e a gostar, e eles hoje influenciam seus vídeos e sua música. Por que eles te fascinam tanto?
Weyes Blood – É uma das únicas saídas no mainstream para se tocar música eletrônica estranha e trilhas sonoras loucas, tipo Dario Argento [cineasta italiano], sabe? Eu gosto do Ennio Morricone tanto quanto amo trilhas de filmes de terror, por um motivo parecido: tem um tipo de suspense incrível, com a trilha sonora potencializando essa coisa do… hmmm… do macabro. E sempre pareceu algo meio proibido para mim, tipo um fruto proibido. Então, acho que acabei me atraindo por esses filmes, porque era algo que eu não tinha permissão de assistir quando era criança.
Natalie Mering (Weyes Blood) posa em estúdio
Divulgação/Facebook da cantora
g1 – É fácil ver como a nostalgia é um ingrediente em tudo que você faz. Mas você retrabalha e transforma em algo novo. Como você vê a relação da cultura pop com a nostalgia hoje? São tantos exemplos em música, streaming e cinema, com remakes, reboots, regravações, remasterizações etc.
Weyes Blood – Acho que tudo o que é criado é, em última instância, uma referência a algo já feito antes. Poucas coisas totalmente inovadoras já foram feitas. É como se tudo fosse sempre uma síntese. A diferença é que agora o capitalismo descobriu que a nostalgia é extremamente lucrativa. Então, tem que haver um cuidado para não ficar muito óbvio. Mas você também quer dar às pessoas uma sensação de atemporalidade. Eu acho que trabalho mais com atemporalidade do que com nostalgia.
Mas penso que vivemos em uma época em que as coisas estão mudando mais rápido do que poderíamos acompanhar. Isso cria um vazio dentro das pessoas e elas querem um sentimento de pertencimento. De certa forma, está faltando esse conforto de saber o que vai acontecer ou o que deveria acontecer, porque tudo está de cabeça para baixo. Estamos mudando para um novo paradigma em termos de tecnologia, o tecido social está sendo totalmente rompido.
“Tudo está sendo tão virado do avesso que eu acho que a nostalgia é natural: mesmo que ela seja usada para ganhos capitalistas. Eu acho, claro, tudo isso muito cafona. Mas, como artista, sinto que você pode fazer parte disso sem ser fake. Faz sentido?”
g1 – Faz. Você disse uma vez que quando as pessoas vêm até você e te dizem que sua música as afetou, sete em dez vezes você teve que ir para algum canto porque ficou emocionada ou chorou. Você ainda faz isso ou já se acostumou? Essa reação de fãs ainda te afeta desse jeito?
Weyes Blood – Ainda me impressiona muito se alguém vem até mim e me diz o quanto a minha música é importante para ele ou ela. Eu tenho vontade de chorar, porque eu me sinto tipo “Uau. Ai se você soubesse o quanto eu não domino tudo isso”. Verdade seja dita, fico realmente pensando como minha música realmente se encaixa no cânone da música popular… tá ótimo para mim do jeito que está, mas há pessoas sendo realmente boas por mais de 60 anos! É como se eu não pudesse competir direito com os grandes nomes que vêm na minha cabeça.
Portanto, o fato de estar ganhando força e de ter um efeito positivo nas pessoas é sempre uma surpresa agradável para mim e fico muito grata em ouvir isso, mas também me sinto meio que oprimida. Porque vejo tantas pessoas sofrendo e procurando por alguma maneira transcendente de experimentar esse monte de emoções realmente confusas, até meio ousadas.
g1 – Eu sei que você tem ouvido muita música clássica. Como isso afeta você como compositora? E por que você não ouve tanto músicas novas ou pop?
Weyes Blood – Eu ouço. Eu ouço pop. [levemente contrariada] Ouço algumas coisas novas, sim. Mas eu acho que o que eu amo tanto na música clássica é que ela é tão emotiva… para mim, de certa forma, uma música instrumental realmente intensa é tão poderosa quanto músicas com letras. Elas ficam muito mais abertas para interpretação, dão mais espaço para o subconsciente de quem ouve e é por isso que eu gosto de trilhas sonoras também.
É como se eu visse cores nas mudanças de acordes e visse as melodias representando emoções, mesmo sem palavras para dizer isso. Você percebe que uma mudança de acordes é triste ou você pode dizer “esse movimento daquela peça clássica é sério” ou algo assim. Então, é como gostar de pinturas clássicas, mas também gostar de pinturas abstratas. Eu aprecio muito a criação de melodias como forma de arte e a música clássica é uma fábrica de melodias definitiva.
Weyes Blood se apresenta antes da estreia no Brasil, com show no C6 Fest
Divulgação/Facebook da cantora
g1 – Você já disse que pensa que agora é mais difícil encontrar tanta experimentação na música pop. Por que você acha que isso acontece?
Weyes Blood – Há muito mais música do que nunca existiu, porque existe o streaming, a cultura do faça você mesmo, o underground. Tem uma enxurrada de coisas. Então, é um pouco opressor e não é só isso: o streaming organiza e oferta a música botando as canções antigas para competirem com as novas. Hoje, você descobre mais facilmente novas bandas de 30 anos atrás, assim como você pode descobrir novas bandas de agora.
Então, acho que esse sistema, infelizmente, dá menos tração à nova música, sabe? É muito mais difícil estourar hoje do que nos anos 90, por exemplo. Antes você ligava numa estação de rádio e só tinha música nova. Hoje tem isso apenas para artistas extremamente populares. O sistema hoje manda um monte de coisas para debaixo do tapete. Para encontrar novidades, você tem que pesquisar, pesquisar e pesquisar.
g1 – Tenho um pouco de dificuldade para ouvir suas músicas ou deixar seus clipes tocando, enquanto faço outras coisas. Eu sinto necessidade de parar o que estou fazendo, é meio contemplativo. É o que você pensa para sua música, certo?
Weyes Blood – Sim… Eu tento tornar o que canto significativo, pelo fato de haver tanta música agora. Eu gostaria que minhas músicas fossem impactantes e significativas, porque eu dedico minha vida a isso. Eu uso minha sensibilidade para isso, e costumo usar a expressão: “Quero chorar as lágrimas do mundo”. É como se pudesse perceber e sentir o que as pessoas estão passando em momentos diferentes. Quero me sentir mais e mais conectada com a ideia de dizer como é e tentar transformar nossas experiências em palavras.
Porque acho que é realmente difícil ter uma produção artística a partir da experiência moderna: essa nossa distopia não é lá muito romântica. Então, escrever uma música sobre essa vida carece de um certo tipo de alquimia. Meu objetivo sempre foi fazer essa coisa impossível que é criar uma bela música sobre viver agora, sobre esse isolamento tecnológico com o qual lidamos, por exemplo.
Horários dos shows
Sexta, 19 de maio
Tenda
17h – Xênia França
18h05 – Dry Cleaning
19h25 – Arlo Parks
20h45 – Christine and the Queens
Auditório Ibirapuera (Planteia Interna)
20h – Tributo ao Zuza
21h – Nubya Garcia
22h – Julian Lage
23h – Tigran Hamasyan
Pacubra
22h – Disco Tehran
0h – Gop Tun DJs
Sábado, 20 de maio
Tenda
17h – Blick Bassy
18h – Russo Passapusso & Nômade Orquestra com BNegão e Kaê Guajajara
19h – Mdou Moctar
20h30 – Jon Batiste
Auditório Ibirapuera (Planteia Externa)
18h – Model 500
19h20 – Kraftwerk
20h55 – Underworld
Pacubra
20h – Feminine Hi-Fi
22h – Festa Luna
0h – Pista Quente
Domingo, 21 de maio
Tenda
18h – Black Country, New Road
19h10 – Weyes Blood
20h40 – The War on Drugs
Auditório Ibirapuera (Planteia Interna)
21h – Samara Joy
22h15 – Domi & JD Beck
23h30 – The Comet is Coming
Auditório Ibirapuera (Planteia Externa)
16h – 1973
17h05 – Tim Bernardes canta Gal Costa
18h15 – Caetano Veloso
Pacubra
20h – Cremosa Vinil
22h – Selvagem
0h – Deekapz
Ingressos
Nos dias de show, haverá venda de ingressos nas bilheterias oficiais do evento localizadas dentro do próprio Parque Ibirapuera, com acesso pelos portões 02 e 10. Elas funcionarão das 8h à meia-noite. Também será possível adquirir ingressos no site da Sympla. Os ingressos são vendidos por palco e custam entre R$ 180 até R$ 1 mil.
Combo Jazz (dá acesso aos dois dias de shows na plateia interna do Auditório Ibirapuera) – Preços: R$ 1.000 (inteira) / R$ 500,00 (meia)
Combo Plateia Externa (dá acesso aos dois dias de shows na plateia externa do Auditório Ibirapuera) – R$ 960 (inteira) / R$ 480 (meia)
Combo Tenda (dá acesso aos três dias de shows na tenda) – R$ 1.460 (inteira) / R$ 730 (meia)
Preços por palco
Tenda – R$ 540 (inteira) / R$ 270 (meia)
Auditório Ibirapuera (plateia interna) – R$ 560 / R$ 280 (meia)
Auditório Ibirapuera (plateia externa, sábado, dia 20/05) – R$ 680 (inteira) / R$ 340 (meia)
Auditório Ibirapuera (plateia externa, domingo, dia 21/05) – R$ 380 (inteira) / R$ 190 (meia)
Pacubra / Village (área de convivência e subsolo com Djs) R$ 180 (inteira) / R$ 90 (meia)

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