A necessidade de um propósito nas sociedades é um tema de grande relevância. Sob uma perspectiva libertária pode-se argumentar que a liberdade em si é o objetivo fundamental: se cada indivíduo buscar seu próprio bem, vivendo e permitindo que os outros vivam conforme suas convicções, este seria o ápice do propósito social. No entanto, tal premissa parte do pressuposto que a liberdade é a solução para todos os males, o que não corresponde à realidade.
Paradoxalmente, em sociedades liberais, os indivíduos frequentemente não percebem um propósito maior em seu cotidiano. O objetivo pessoal muitas vezes se restringe a sobreviver, pagar contas e lidar com as complexidades circundantes. Enquanto isso, países como Irã, Rússia e China possuem motivações nacionais bem definidas. Essas nações desenvolvem e perseguem estratégias meticulosamente planejadas para alcançar objetivos políticos, econômicos e geopolíticos, frequentemente desafiando normas e interesses globais estabelecidos.
O Irã, por exemplo, foca na expansão de sua influência no Oriente Médio, mantendo uma postura firme em relação ao seu programa nuclear, mesmo diante de sanções internacionais. A Rússia busca reafirmar seu status como potência global, utilizando sua força militar, controle energético e campanhas de desinformação para moldar a ordem internacional a seu favor. A China se posiciona como uma superpotência econômica e tecnológica, investindo significativamente em iniciativas como a Nova Rota da Seda para consolidar sua influência global e garantir acesso a mercados estratégicos.
Uma sociedade liberal que adota o princípio de “viver e deixar viver” pode ser considerada ingênua ao não reconhecer a necessidade de lutar contra inimigos que desejam destruir nossas liberdades. Além disso, tal sociedade pode estar alheia à realidade ao esperar que pessoas em situação de pobreza sigam regras pré-estabelecidas sem considerar suas circunstâncias.
Desafios globais, como a mudança climática, representam objetivos que deveriam nos unir independentemente de fronteiras geográficas. Motivações que transcendem fronteiras podem ser vistas como ameaças por nacionalistas. Filmes como “Tropa de Elite 2” ilustram esse fenômeno, onde personagens de espectros políticos opostos e com conflitos pessoais encontram um propósito comum — o combate à corrupção — grande o suficiente para superar suas divergências.
O modelo PRIME, que tenho promovido, inicia-se com o “P” de propósito, pois um desejo em comum é um dos poucos elementos capazes de colocar sentimentos negativos como inveja, raiva e cobiça em segundo plano. Dois rivais políticos ferrenhos, Yitzhak Rabin e Shimon Peres, por exemplo, deixaram de lado seu orgulho para se concentrarem no que era crucial para ambos: a busca pela paz.
No meu artigo “A Mãe de Todos os Desafios”, explico que a maior dificuldade da humanidade não é a desinformação, os ciberataques ou a proliferação de armas de destruição em massa, mas sim a ganância humana. Em outro texto, argumento que nossos governantes estão isentos do modelo meritocrático, o que os leva a conduzir experimentos sociais irresponsáveis — diferentemente do setor privado, onde metas claras e a possibilidade de substituição de CEOs garantem responsabilidade e resultados.
O propósito é fundamental para a sociedade porque serve como base para um sistema meritocrático entre aqueles que nos governam. Primeiramente, porque separa o objetivo do método. Tanto a direita quanto a esquerda almejam sociedades mais seguras; assim, há concordância na meta, o que já é um grande passo e nos une. A divergência reside na forma de alcançar esse objetivo: um lado pode defender a prisão, enquanto o outro busca a reintegração social. Percebo que em muitos casos, os dois lados estão corretos; o segredo está na integração das ideias e não no seu absolutismo. Acima de tudo, é fundamental sair do mundo virtual de faz de conta para ingressar no mundo real, o que acontece por meio de mensuração objetiva.
Independentemente da escolha política, é crucial que tanto a direita quanto a esquerda se unam para garantir que os líderes políticos sejam responsabilizados pela execução de suas ações e pelos resultados obtidos. Dessa forma, podemos ter a tranquilidade de que políticas não serão implementadas por razões ideológicas alheias a resultados científicos e factuais.
A PRIME Society, a organização não governamental que estou fundando, não busca ditar qual deve ser o propósito de uma sociedade, mas oferece melhores práticas para que sejam eficazes em suas escolhas. Um propósito sem mensuração, meritocracia e experimentos empíricos é apenas uma narrativa — pode soar bem, mas não coloca comida na mesa, nem educa a próxima geração, fornece saúde de qualidade, oportunidades de emprego, segurança pública e espaços para lazer.
Sociedades conectadas por propósitos comuns formam uma federação; aquelas sem motivações compartilhadas, mas que ainda seguem o framework PRIME, são denominadas clusters. Todas as sociedades do tipo PRIME devem adotar o mesmo formato semântico e de metadados. Por exemplo, deve ser claro se “1” representa um centímetro, uma polegada ou um metro. Isso permite comparar a eficácia dos propósitos e das execuções, possibilitando que sociedades aprendam umas com as outras. Podemos não concordar em vários aspectos, mas isso não nos faz inimigos.
Se o propósito de uma sociedade é a prosperidade, este deve se traduzir em uma meta de longo prazo, desmembrada por áreas — por exemplo, cidades com grupos de propósitos semelhantes — e ao longo do tempo. Assim, a principal explicação para o não atingimento da meta anual, na ausência de eventos black-swan, seria a incompetência do executivo.
Para que esse sistema funcione, quem executa não pode ser quem define os propósitos, metas e meios de mensuração, evitando conflitos de interesse.
Mas, afinal, qual é o propósito da PRIME Society? Ser uma entidade sem fins lucrativos que conduza atividades focadas no desenvolvimento e promoção de padrões internacionais para Sociedades PRIME. Isso inclui a criação de diretrizes para a interoperabilidade, padrões para Organizações Autônomas Distribuídas (DAOs), protocolos abertos, cidades experimentais e outros modelos inovadores de governança. Por meio de pesquisa, colaboração com partes interessadas globais e disseminação de informações, a organização visa avançar estruturas societárias e práticas de governança em todo o mundo.
A PRIME Society pretende se tornar uma sociedade global, composta por membros que compartilham sua motivação e adotam o mesmo tipo de governança que propõe para outras sociedades. Se você acredita em nosso propósito, convidamos você a compartilhar esta ideia ou a juntar-se a nós.