Voz de Zé Ibarra emite ‘notas tocadas com a alma’ no primeiro disco solo do cantor carioca


Com músicas de Caetano Veloso, Milton Nascimento, Dora Morelenbaum, Paulo Diniz e Tom Veloso, o álbum ‘Marquês, 256.’ registra a grandeza de intérprete que dialoga com a MPB sem perder o elo com a própria geração. Capa do álbum ‘Marquês, 256′, de Zé Ibarra
Elisa Maciel
Resenha de álbum
Título: Marques, 256.
Artista: Zé Ibarra
Edição: Coala Records
Cotação: ★ ★ ★ ★ ★
♪ Primeiro disco solo de Zé Ibarra, Marquês, 256. chega hoje ao mundo digital com pouco teor de novidade para quem já viu alguma live e/ou show solo presencial desse artista carioca vocacionado para o canto, pela recorrência do repertório do álbum nessas apresentações.
Ao mesmo tempo, Marquês, 256. é registro audiovisual – captado na escada do prédio situado no endereço carioca aludido no título do disco – com muito sentimento e pleno de sentidos na voz privilegiada e no violão do cantor. Uma gravação oficial e necessária – sem os artifícios comuns na formatação da música do século XXI – que perpetua no mercado fonográfico o crescimento do intérprete.
Revelado em 2014 como vocalista, músico e compositor da banda carioca Dônica, Ibarra atualmente é mais conhecido pelo público jovem como integrante do quarteto conterrâneo Bala Desejo, novidade da cena indie brasileira em 2022.
Mas é nos singles da discografia solo e nos shows individuais – como o feito por Ibarra na abertura da derradeira turnê de Milton Nascimento, A última sessão de música (2022) – que o jovem cantor de 26 anos se engrandece aos olhos e ouvidos do público. A ponto de ter embevecido a plateia mais velha que foi ver Milton e saiu maravilhada com aquele desconhecido cantor que ecoava a MPB tão presente na memória dessa plateia.
Zé Ibarra é jovem, mas dialoga com uma música antiga que nunca envelhece – essa tal de MPB. Não por acaso, há composições de dois ícones referenciais da MPB, Caetano Veloso e Milton Nascimento, entre as oito faixas de Marquês, 256..
De Caetano, Ibarra pesca a pérola Olho d’água (1992), parceria com o poeta Waly Salomão (1943 – 2003) que deu título a álbum de Maria Bethânia. Olho d’água é música sinuosa (como tantas de Caetano) que Ibarra canta com espantosa naturalidade.
Da obra igualmente gigante de Milton Nascimento, a voz eventualmente feminina do cantor revive San Vicente (1972), parceria de Milton com Fernando Brant (1946 – 2015) apresentada no Clube da Esquina (1972), álbum que alicerçou o movimento pop mineiro, norte da banda Dônica.
Em Marquês, 256., a terra musical mineira embasa Itamonte (Zé Ibarra, 2018), canção autoral que dispara flash afetivo da infância de Ibarra nesse solo fértil.
Com ou sem o uso de falsete, Zé Ibarra é afinado e canta com alma e com aquele indefinível algo mais que caracteriza os grandes artistas, inclusive os desafinados. Essa alma está inteira na abordagem devidamente melancólica de Vou-me embora (1972), parceria do cantor e compositor pernambucano Paulo Diniz (1940 – 2022) com Roberto José apresentada por Diniz em álbum, …E agora, José? (1972), guiado pela poesia do mineiro Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987).
Contracapa do álbum ‘Marquês, 256.’, de Zé Ibarra
Divulgação
Contudo, o que valoriza Marquês, 256. é o fato de o disco não se limitar a oferecer abordagens sensíveis de canções de tempos idos, como Vai atrás da vida que ela te espera (Guilherme Lamounier, 1974), apelo de tempos tensos que Ibarra já tinha feito em single editado em 2020, ano também duro para o mundo e em especial para o Brasil.
Há quatro composições recentes que se afinam musical e emocionalmente com as canções antigas. A já mencionada Itamonte, música do ainda inédito segundo álbum da banda Dônica, atesta que o cantor também é bom compositor em impressão reforçada pela canção Como eu queria voltar (Lucas Nunes, Tom Veloso e Zé Ibarra, 2018), digna de figurar em qualquer álbum da MPB dos anos 1970.
Tema da lavra de dois compositores amigos e contemporâneos do artista, Dó a dó (Dora Morelenbaum e Tom Veloso, 2020) – canção que marcou há três anos a estreia fonográfica de Dora Morelenbaum, colega de Ibarra na banda Bala Desejo – é outra joia moderna que se justifica no arco emocional do disco Marquês, 256..
Até mesmo Hello (2021), samba meio canção com bossa da cantora, compositora e guitarrista paulistana Sophia Chablau, se ajusta ao tom de disco que fala para jovens que buscam lugar no mundo, entre amores, sonhos e desilusões.
É impressionante como, da escada de um prédio da zona sul carioca, munido somente de um violão, o cantor ecoa tantas emoções densas, mas sem cair no melodrama, neste Marquês, 256..
Citando verso de Dó a dó, da voz do cantor, saem “notas tocadas com a alma” neste imponente primeiro disco solo do artista.

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