No relatório, a Polícia classifica os participantes da tentativa de golpe como grupo criminoso e aponta os vários caminhos traçados para tentar manter o ex-presidente Bolsonaro no poder. Inquérito do golpe revela que uma das intenções do grupo era enfraquecer a atuação da PF
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O inquérito que indiciou o ex-presidente Bolsonaro e mais 36 pessoas por tentativa de golpe de Estado concluiu que uma das intenções do grupo era enfraquecer a atuação da Polícia Federal.
No relatório, a Polícia classifica os participantes da tentativa de golpe como grupo criminoso e aponta os vários caminhos traçados para tentar manter o ex-presidente Bolsonaro no poder.
Em todo o percurso, a PF diz que “de forma inequívoca que o então presidente Bolsonaro planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa”.
Um dos caminhos seria desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. Para isso, segundo a PF, o grupo iria editar um instrumento com “aparência de legalidade”, que permitisse aos investigados, de forma coercitiva, acessar o Tribunal Superior Eleitoral. A partir daí, o objetivo seria “provar” que os estudos técnicos fraudulentos produzidos pelo IVL, Instituto do Voto Legal, que subsidiaram a representação eleitoral do Partido Liberal, estariam corretos.
Segundo o relatório, o juiz Sandro Vieira Nunes, que atuou no TSE até agosto de 2022, “atuou de forma ilegal e clandestina” para assessorar o Partido Liberal na representação.
Além disso, um grupo comandado pelo policial federal Marcelo Araújo Bermevet tinha como função principal questionar o sistema eleitoral. Esse grupo, segundo a PF, se autodenominava “Grupo de Malucos”. Eles também eram responsáveis por ataques a ministros do Supremo.
Em uma conversa com os integrantes do grupo, Bermevet diz: “Okay. Senta o dedo para a galera”, ao determinar a disseminação de uma fake news relacionada a um familiar do ministro Luís Roberto Barroso.
Ainda segundo o relatório, o golpe não se consumou por circunstâncias alheias à vontade de Bolsonaro. No caso, a resistência do comandante do Exército Freire Gomes e da maioria do Alto Comando, que permaneceram fiéis à defesa do Estado Democrático de Direito, não dando o suporte armado para que o presidente da República consumasse o golpe de Estado.
Inquérito do golpe revela que uma das intenções do grupo era enfraquecer a atuação da PF
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Diante da recusa, os investigadores apontam que Bolsonaro, no dia 9 de dezembro de 2022, reuniu-se com o general Estevam Theóphilo, que aceitou executar as ações a cargo do Exército e capitanear as tropas terrestres, caso o então presidente assinasse o decreto.
Mensagens obtidas pela PF revelam que o documento teria sido destruído por integrantes do Alto Comando do Exército.
Em uma troca de mensagens entre Mauro Cid, o tenente-coronel Sérgio Cavalieri e um terceiro interlocutor chamado “Riva”, eles detalharam uma reunião entre Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão e generais do Alto Comando.
Riva diz que os militares “rasgaram o documento que Jair Bolsonaro tinha assinado”. Ele afirma: “Rasgaram o documento que o 01 assinou”, possivelmente se referindo ao decreto de golpe de Estado. Em seguida, passam a atacar os integrantes do Alto Comando do Exército.
Em outra frente, segundo o inquérito, o grupo tramava cercear a atuação da Polícia Federal.
“Rasgaram o documento que Jair Bolsonaro tinha assinado”, diz mensagem obtida pela PF
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Anotações encontradas com o então diretor-geral da Abin, Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, hoje deputado pelo PL, indicam que ele sugeriu a Bolsonaro que interferisse junto à administração da Polícia Federal para restringir a atuação funcional de delegados da Polícia Federal junto a inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal.
O relatório da PF com essas informações chegou nesta quarta-feira (27) à Procuradoria-Geral da República, que vai analisar o documento e decidir o que fazer.
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, disse que o inquérito mostra a solidez das instituições brasileiras:
“O relatório da Polícia Federal colaciona fatos, reúne fatos e procura dar um cunho probatório a esses fatos. A conclusão de tudo que está no inquérito não depende mais nem da Polícia Federal e muito menos do Ministério da Justiça e da Segurança Pública. Eu tenho dito sempre que, sob a égide da Constituição de 1988, ou seja, essa Constituição que nos rege há 36 anos, nós temos instituições muito sólidas, muito seguras e que têm enfrentado várias crises: crises políticas, como dois impeachments; crises econômicas, como aquela de 2008, que foi uma crise mundial. Enfrentamos também a invasão da sede dos três poderes, tudo sempre dentro da institucionalidade. Então, o Brasil está seguro, tem instituições sólidas e três poderes que são independentes e harmônicos. Muitas vezes têm opiniões divergentes, mas acabam convergindo no que diz respeito aos interesses maiores do país.”
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