Advogado que representa as famílias diz que não foi apresentado plano de acolhimento delas após a desocupação da área, que é particular. Suspensão vale até julgamento de recurso. Comunidade Renascer, em Piracicaba
Júlia Heloisa Silva/ g1
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu a reintegração de posse Comunidade Renascer, em Piracicaba (SP), até o julgamento de um recurso ajuizado pelo advogado que representa as famílias que ocupam a área. A desocupação do local, que é uma área particular, foi determinada em junho de 2022.
A decisão foi tomada em um recurso ajuizado pelo advogado popular Caio Garcia, que representa as cerca de 600 pessoas que estão morando no terreno, que é particular.
No recurso, o defensor argumenta que a decisão pela remoção das famílias não considerou a situação de vulnerabilidade delas, e que não foi apresentado um plano de acolhimento dessas pessoas após a desocupação.
Ele também destaca que não houve avanço em audiências de conciliação realizadas e defende que é necessário dar continuidade nesses debates.
“Embora órgãos públicos de assistência social e habitação tenham comparecido às audiências, a ausência de um planejamento estruturado e a limitação das propostas apresentadas, como o fornecimento provisório de alimentos e passagens para retorno, demonstram a inadequação do processo conciliatório”, aponta o advogado.
Para ele, é preciso que sejam apresentadas alternativas de “moradia digna e políticas habitacionais definitivas”.
“A conciliação não pode ser considerada eficaz quando não há ações concretas para garantir a permanência ou a realocação das famílias em condições dignas. Nesse sentido, a omissão do Estado em criar um plano de apoio socioassistencial adequado agrava ainda mais a situação”, acrescenta.
Segundo Garcia, não foi levado em em consideração a condição de “extrema vulnerabilidade social dos ocupantes, como evidenciado no relatório técnico, que aponta a presença de crianças, idosos e pessoas com deficiência”.
Moradores da Comunidade Renascer fazem ato por moradia em Piracicaba
Bruno Leoni
‘Perigo de dano de difícil ou impossível reparação’
Ao decidir pela suspensão da reintegração de posse, em decisão desta terça-feira (26), o desembargador Penna Machado justificou que ela é necessária diante dos impactos da ação.
“Verifica-se a presença dos requisitos legais necessários para a concessão da tutela de recursal pleiteada, notadamente diante da irreversibilidade da medida, sendo conveniente aguardar a formação do contraditório, marcando-se a peculiaridade do caso concreto que envolve a desocupação de área habitada por mais de 600 pessoas. Defiro, pois, a pretendida antecipação dos efeitos da tutela de urgência por vislumbrar o perigo de dano de difícil ou impossível reparação”, argumentou.
O g1 questionou a Prefeitura de Piracicaba a respeito da assistência que será dada às famílias, mas não houve retorno até a última atualização desta reportagem.
Manifestantes em frente à prefeitura.
Bruno Leoni
Protestos
Desde a suspensão do prazo para a reintegração de posse na comunidade, moradores da área têm realizado protestos para cobrar ações do poder público. Um dos últimos ocorreu em fevereiro de 2022.
Manifestantes das comunidades Renascer e Vitória saíram da área ocupada e caminharam, acompanhados por carro de som, até o prédio da administração municipal, onde cobraram a garantia de não serem despejados.
Em nota divulgada na ocasião, a prefeitura informou que se reuniu com representantes da Comunidade Renascer e que “sempre esteve aberta ao diálogo, realizando várias reuniões com representantes da Renascer nos últimos meses, apesar da prefeitura não ter legitimidade para interferir num processo privado, que já teve sentença transitada em julgado.”
A prefeitura disse, ainda, que a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (Smads) está fazendo o cadastramento das famílias e cruzamento de dados com o Cadastro Único (CadÚnico), para referenciá-los no Sistema Nacional de Programas socioassistenciais.
“Após a finalização destas triagens das famílias serão feitos os devidos encaminhamentos socioassistenciais”, finaliza a nota.
ARQUIVO: Moradores de comunidades de Piracicaba fazem protesto por moradia digna
1.315 famílias em ocupações
Reportagem do g1 de outubro de 2021 mostrou que, até aquele momento, Piracicaba tinha pelo menos 1.315 famílias vivendo em ocupações de áreas particulares alvo de processos para reintegração de posse.
De acordo com dados da Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional Popular (Emdhap) de Piracicaba obtidos pelo g1 por meio da Lei de Acesso à Informação, até outubro de 2021 havia pelo menos oito áreas ocupadas na cidade que levaram os proprietários a reivindicarem na Justiça a reintegrações de posse:
Vitória Pantanal (Conquista) – 212 Famílias
Esperança – 496 Famílias
Lago Negro – 112 Famílias
Vila Nova – 107 Famílias
Renascer 3 – 388 Famílias
Renascer 1, 2 e 4 – Sem número de famílias informado
A prefeitura apontou que não tinha o número exato de processos em andamento por não integrar as ações e que toma conhecimento pelas informações passadas pelos próprios ocupantes ou quando é intimada a prestar informações nos autos.
“A partir dessa ciência, passa a monitorar os processos e acompanhar as interlocuções com o Poder Executivo e com a Defensoria Pública, dando o suporte técnico possível, como constam nos registros dos processos administrativos e judiciais”, disse o órgão.
A concentração dessas áreas estão na região oeste de Piracicaba.
Comunidade em Piracicaba
Reprodução/ EPTV
10 mil morando em favelas e comunidades
Novos dados do Censo 2022, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na sexta-feira (8), apontam que Piracicaba possui 10.863 pessoas vivendo em favelas e comunidades urbanas.
De acordo com as estatísticas, existem 16 áreas com essas denominações na metrópole, que concentraram um total de 4.590 moradias.
Entre os moradores, 5.326 são mulheres e 5.537, homens. A idade mediana dessa população (indicador que divide uma população em dois grupos de tamanhos iguais) é de 26 anos.
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