Neste artigo, Andrew Gase, que é professor assistente de Geociência da Universidade Estadual de Boise, em Idaho, nos Estados Unidos, explica que não seria possível por conta da estrutura da Terra. Ilustração feita por um artista a partir de dados captados pelo satélite TESS da Nasa mostram o planeta TOI 700 d, o primeiro com tamanho da terra em uma zona habitável do universo.
Nasa/AFP
Quando eu era criança, gostava de cavar buracos no quintal de minha casa, em Cincinnati (EUA). Meu avô brincava que, se eu continuasse cavando, acabaria na China.
Na verdade, se eu tivesse conseguido cavar direto através do planeta, teria chegado ao Oceano Índico, a cerca de 1.800 quilômetros a oeste da Austrália. Esse é o antípoda, ou ponto oposto na superfície da Terra, da minha cidade.
Mas eu só tinha uma pá de jardim para mover a terra. Quando bati numa rocha, a menos de 1 metro abaixo da superfície, não consegui ir mais fundo.
Hoje, sou geofísico e sei que a resposta para a pergunta do título é não. Sei muito mais sobre a estrutura da Terra, que tem três camadas principais:
▶️ A camada externa, chamada crosta, é muito fina, de rocha leve. Sua espessura, comparada ao diâmetro da Terra, é similar à espessura da casca de uma maçã em relação ao seu diâmetro. Quando eu cavava buracos no quintal, estava arranhando o topo da crosta terrestre.
▶️O manto, que fica abaixo da crosta, é muito mais espesso, como a polpa da maçã. É feito de rocha forte e pesada que flui para cima até alguns centímetros por ano, à medida que as rochas mais quentes se afastam do centro da Terra e as mais frias afundam.
▶️O núcleo, obviamente no centro da Terra, é feito de metal líquido e sólido superaquecidos. As temperaturas são de 2.500 a 5.200 graus Celsius.
As camadas externas da Terra exercem pressão sobre as camadas inferiores, e essas forças aumentam constantemente com a profundidade, assim como acontece no oceano. Pense em como a pressão em seus ouvidos fica mais forte à medida que você mergulha mais fundo.
Isso é relevante para a escavação da Terra, porque quando um buraco é escavado ou perfurado, as paredes ao longo das laterais do buraco estão sob enorme pressão da rocha sobrejacente e também são instáveis porque há espaço vazio ao lado delas. Rochas mais fortes podem suportar forças maiores, mas todas as rochas podem falhar se a pressão for muito grande.
Ao cavar um buraco, uma maneira de evitar que as paredes desmoronem para dentro devido a pressão é torná-las menos íngremes, de modo que se inclinem para fora como os lados de um cone. Uma boa regra prática é fazer o buraco três vezes mais largo do que a sua profundidade.
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Paredes instáveis
A mina a céu aberto mais profunda da Terra é a Mina Bingham Canyon, em Utah (EUA), que foi feita com escavadeiras e explosivos no início dos anos 1900 para extrair minério de cobre. A mina tem 1,2 quilômetros de profundidade e 4 quilômetros de largura.
Como é mais de três vezes mais larga do que a fundura, e as paredes são inclinadas, não são muito íngremes ou instáveis. Ainda assim, em 2013, uma das encostas desabou, causando dois enormes deslizamentos de terra que liberaram 145 milhões de toneladas de rocha triturada para o fundo do poço. Felizmente, ninguém se machucou, mas os deslizamentos de terra causaram centenas de milhões de dólares em danos.
Suponha que você tentasse cavar através da Terra, e que o planeta fosse todo sólido (sabemos que não é, mas este é o cenário mais simples). A profundidade de um buraco que atravessasse todo o planeta seria equivalente ao diâmetro da Terra. Então, o buraco que você estava tentando escavar precisaria ser cerca de três vezes mais largo que o diâmetro da Terra para que fosse estável.
Claramente, esta é uma tarefa impossível que alteraria completamente o formato do planeta.
Escavação versus perfuração
A perfuração pode se aprofundar mais rapidamente do que a escavação porque menos material precisa ser movido, e a menor área de superfície de um buraco pode ser projetada para suportar mais força. As empresas de energia perfuram, rotineiramente, até 5 quilômetros abaixo da superfície para encontrar petróleo e gás.
O buraco mais profundo do planeta é o Kola Superdeep Borehole, no noroeste da Rússia, que se estende por 12,2 quilômetros de profundidade. Furos profundos como este podem dizer muito aos cientistas sobre o interior da Terra. No entanto, o projeto Kola foi abandonado devido a desafios de perfuração, como temperaturas muito altas para o equipamento funcionar, além das falhas das máquinas e de altos custos.
A perfuração é um processo tedioso. Uma broca rotativa na ponta de um tubo oco cheio de lama tritura a rocha, penetrando apenas alguns centímetros por minuto em rochas muito duras. Supondo um progresso constante nesse ritmo, seriam necessários centenas de anos para perfurar a Terra.
À medida que a broca perfura mais fundo, leva-se mais tempo para substituir as peças quebradas no percurso. E os quilômetros de tubos de perfuração podem tornar-se tão pesados que não conseguem ser torcidos ou puxados para fora do buraco.
A pressão também é um grande problema pois fazem com que as paredes de poços fiquem propensas a cair. O movimento lento do manto da Terra acabaria por levar o processo de um furo de sondagem a entrar em colapso. Magma, gases e metal líquido nas profundezas da Terra, sob tremenda pressão, poderiam explodir em direção à superfície do poço.
As tecnologias de perfuração atuais não são rápidas ou duráveis o suficiente para perfurar o manto e o núcleo da Terra. Mas, ainda podemos nos maravilhar com realizações como o Kola Superdeep Borehole e a mina Bingham Canyon, e sonhar em escavar rochas de profundidades ainda maiores.
Este texto foi publicado originalmente no site do The Conversation Brasil.
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