Martinho da Vila canta os reversos da vida em ‘Negra ópera’


Caracterizado como ‘concerto trágico’ pelo artista, o show é valorizado pela ótima forma vocal do cantor de 85 anos e pelo roteiro com sambas que versam sobre desamores e morte. Martinho da Vila no palco do Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro (RJ), na estreia do show ‘Negra ópera’
Mauro Ferreira / g1
Resenha de show
Título: Negra ópera
Artista: Martinho da Vila
Local: Teatro Casa Grande (Rio de Janeiro, RJ)
Data: 19 de agosto de 2020
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Aos 85 anos, Martinho da Vila impressionou positivamente o público do Teatro Casa Grande na estreia de Negra ópera na noite de ontem, 19 de agosto, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
Sem recorrer ao teleprompter e sem sequer se apoiar em roteiro deixado no chão, como é praxe em shows, o artista fluminense seguiu com segurança e ótima forma vocal a saga trágica deste espetáculo afro-brasileiro em que Martinho mistura dança, um toque de música erudita – no tema orquestral da abertura Negra ópera – e sambas para cantar os reversos da vida.
A base do roteiro foi o repertório do álbum Negra ópera (2023), lançado em 12 de maio. Curiosamente, três músicas vieram de álbum de 1982, Verso… Reverso, em que Martinho José Ferreira enfatizou os dissabores da existência no lado B do LP.
Alocado na sequência do tema orquestral que abriu o show, caracterizado em cena pelo artista como “concerto trágico”, o samba Mãe solteira (Wilson Baptista e Jorge de Castro, 1954), que também figura no disco Negra ópera, já deu o tom do roteiro.
Pensando bem (João de Aquino e Martinho da Vila, 1982) e o jongo Reversos da vida (Martinho da Vila, 1982) reiteraram o tom inicial e se impuseram como lembranças sagazes de músicas afinadas com o espírito de roteiro em que o cantor também puxou Linha do ão (Martinho da Vila, 1970).
Samba que expõe grave dilema social na letra, Pensando bem já tinha sido revivido pelo artista no recente disco Rio: só vendo a vista (2020) ao lado de outro samba ainda mais antigo, O caveira (Martinho da Vila, 1973), lançado há 50 anos pelo autor e também incluído no roteiro de Negra ópera.
Vistos primeiramente na introdução do “concerto trágico”, os passos desenvoltos da bailarina negra Alencar também iluminaram Acender as velas (Zé Kétti, 1964), número bastante aplaudido deste show em que Martinho versa muito sobre a morte, assunto recorrente em Diacuí (Martinho da Vila, 2023), no samba Malvadeza Durão (1959) – outro standard do cancioneiro realista de Zé Kétti (1921 – 1999) – e no samba-canção Iracema (Adoniran Barbosa, 1956).
No quesito samba-enredo, o roteiro do show Negra ópera aproximou Heróis da liberdade (Silas de Oliveira, Mano Décio da Viola e Manoel Ferreira – Carnaval de 1969) de Onde o Brasil aprendeu a liberdade (Carnaval de 1972), obra-prima do próprio Martinho da Vila Isabel.
No bis, momento em que já permitiu deixar as tragédias da vida, o cantor reviveu a celebração de Kizomba, a festa da raça (Rodolpho de Souza, Luiz Carlos da Vila e Jonas – Carnaval de 1988) somente com o toque do piano de Kiko Horta, integrante da banda que inclui neto de Martinho, Guido, na percussão.
Já o filho Preto Ferreira entrou em cena para cantar o estilizado ponto de macumba Exu das sete (Martinho da Vila, 2023), novidade do repertório do álbum Negra ópera ao lado do tema de capoeira Dois de ouro (Martinho da Vila, 2023).
Nem tudo foi trágico no roteiro da Negra ópera de Martinho da Vila, mas predominou o canto dos reversos da vida.

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