Obra orgânica de Luhli com Lucina brota com vigor na safra inédita do álbum ‘Nave em movimento’


Lucina apresenta joias do baú da dupla em disco que sai na segunda-feira, 19 de junho, dia do 78º aniversário da parceria com quem cantou de 1972 a 1998. Capa do álbum ‘Nave em movimento’, de Lucina
Luiz Fernando Borges
Resenha de álbum
Título: Nave em movimento – A música artesanal de Luli & Lucina
Artista: Lucina
Edição: Edição independente
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Heloísa Orosco Borges da Fonseca (19 de junho de 1945 – 26 de setembro de 2018) – cantora, compositora e instrumentista carioca projetada nos anos 1970 como o nome artístico de Luli – faria 78 anos na segunda-feira.
Nessa data, Luli – ou Luhli, como a artista passou a assinar a partir de 1996 – terá a obra e a musicalidade reavivadas pela parceira de vida e música, Lúcia Helena Carvalho e Silva, cantora, compositora e multi-instrumentista mato-grossense batizada artisticamente como Lucelena na década de 1960 e como Lucinha de 1972 a 1982, mas conhecida atualmente como Lucina.
Lucina remexeu afetuosamente no vasto baú da dupla Luli & Lucinha / Luli & Lucina (1972 – 1998) e, de um acervo de cerca de 800 composições, escolheu 11 músicas inéditas dessa obra amplificada nos anos 1970 na voz de Ney Matogrosso. Juntamente com outras duas músicas já registradas em disco, o cancioneiro inédito foi gravado por Lucina, entre dez estúdios de Rio de Janeiro e São Paulo, com músicos de várias escolas e gerações.
A tripulação instrumental é capitaneada pelo trio-base do disco – Marcelo Dworecki (baixo e violão de aço), Otávio Ortega (piano e acordeom) e Peri Pane (violoncelo) – e completada por Bruno Aguilar (baixo acústico), Curumin (bateria), Décio Gioielli (kalimba, percussão e flauta africana), Elione Medeiros (fagote), Jaime Além (violão), Jorge Mathias (baixo), Marcelo Caldi (acordeom), Maurício Cajueiro (guitarra) Murilo O’ Reilly (percussão e percussão Eletrônica), Ney Marques (mandolim e guitarra) e Wallace Cardia (bateria).
As 13 músicas ganham vida em Nave em movimento – A música artesanal de Luli & Lucina, álbum que aterrissa no mundo digital na segunda-feira, 19 de junho, dia do 78º aniversário de Luhli, com capa que expõe as artistas em momento de ternura captada pelas lentes do fotógrafo e então companheiro Luiz Fernando Borges da Fonseca (1941 – 1990), parceiro da dupla na vida a três saboreada com afeto e liberdade em sítio à beira-mar localizado em Filgueiras, na cidade fluminense de Mangaratiba (RJ).
“Meu corpo é minha casa / … / Meu canto é minha asa”, rima Lucina com Zélia Duncan, voz-irmã na gravidade, em Tocandar toca a viajar, canção estradeira e galopeira que celebra a vida nômade e sobressai no álbum Nave em movimento com evocações musicais de recantos do Brasil. As vozes de Lucina e Zélia Duncan ainda se irmanam na música-título Nave em movimento, composta em Paris, em 1994.
Nessa rota nativa, sempre seguida pela dupla Luli & Lucina sem conexões com o som feito para o mercado, É tudo um (outra música da década de 1990) também se impõe na safra inédita ao mapear batuques e ritmos do nordeste do Brasil com acento afro-percussivo e letra metalinguística.
Mãe terra (tema enraizado nos anos 1970) se assenta na mesma forte base percussiva, ecoando a fertilidade do solo nacional adubado pelos indígenas. O universo indígena inspira a delicadeza de Tempo tapuia (2010).
Aliás, o tempo da música de Luli & Lucina é pautado pela serenidade. A canção Tudo é já (2015) contraria na suavidade do arranjo a urgência existencial sugerida pelo título. Já 9.16 (1973 / 1974) expõe esse tempo próprio em gravação que inclui texto falado por Zélia Duncan, voz recorrente no disco, ouvida também de forma mais explícita no canto de Barra Leblon.
Na viagem tranquila de Nave em movimento, Lucina também serve Banquete, música composta nos anos 1990 e gravada por Luhli em 2006.
Fruto da natureza das matas, dos rios e dos ventos, como exemplificam os versos da derradeira canção Na primeira brisa (composta em 2017 e gravada com vocais de Júlia Borges, filha de Luhli com Luiz Fernando) e da música Luta é dia a dia (tema dos anos 1970, de toque ruralista acentuado pelo acordeom de Marcelo Caldi), o repertório autoral da dupla soa de fato artesanal, como sublinha o subtítulo do álbum produzido por Patrícia Ferraz sob direção artística de Lucina.
Os arranjos contribuem para que essa música ressoe em harmonia e aplanam o conjunto da obra reunida no disco, ainda que haja naturais desníveis entre as treze composições, safra que abarca Na noite de um amanhã – música da década de 1970, feita pela dupla em parceria com Mário Avelar e gravada com adição dos versos de Lugares são pousos, recitados pelo autor, o poeta arrudA – e Misturada cabana – parceria da dupla com Joãozinho Gomes gravada pelo coautor em 1991 e que ecoa, como diz a letra, mix de gueto e quilombo, fincado na força dos tambores.
Por ser orgânica, a música de Luli & Lucina atravessa o tempo e o Brasil, brotando e pousando com vigor na safra inédita de Nave em movimento.

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