Relato do baterista é fluente e descortina bastidores de discos e turnês, mas frustra ao ser interrompido em 2002, logo após o acidente de Herbert Viana. Capa do livro ‘1,2,3,4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso’
Mauricio Valladares
♫ OPINIÃO SOBRE LIVRO
Título: 1,2,3,4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso
Autor: João Barone
Cotação: ★ ★ ★ 1/2
♪ O fato de João Barone ser um dos protagonistas da trajetória da banda carioca Os Paralamas do Sucesso – e, como tal, testemunha ocular de toda a história – dá instantânea credibilidade ao livro do baterista, compositor e produtor musical carioca.
Já existe boa biografia do trio formado por Barone em 1981 com Herbert Vianna (voz e guitarra) e Bi Ribeiro (baixo), Os Paralamas do Sucesso – Vamo batê lata, escrita por Jamari França – referência no jornalismo musical no segmento do rock – e editada em 2003, três anos antes da fotobiografia Os Paralamas do Sucesso (2006), de Maurício Valladares.
Mesmo sem o senso crítico do livro escrito por Jamari com um olhar de fora da história, o relato de Barone tem fluência. Pesa a favor de 1,2,3,4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso – biografia editada pela editora Máquina de Livros – o bom texto de Barone.
Pode-se aprimorar um texto na edição, mas escrever bem e saber contar uma historia é um dom que uns têm e outros não têm. Barone tem o dom da palavra escrita. A narrativa envolve o leitor.
Infelizmente, o livro do baterista desperdiça a oportunidade de contar todo o tempo dos Paralamas do Sucesso. Inexplicavelmente, Barone interrompe o livro logo após o acidente de ultraleve que, em fevereiro de 2001, deixou paraplégico e viúvo o vocalista e guitarrista Herbert Vianna.
O baterista narra detalhes preciosos da recuperação do amigo, com a legitimidade de quem vivenciou cada momento da jornada que trouxe Herbert de volta à vida e à música após um estado de quase morte.
Soa comovente a exposição do afeto e do efeito da música no lento processo de cura de Herbert, assim como provoca riso o relato da resposta espontânea dada por Herbert a Dado Villa-Lobos – amigo de todas as horas da família Paralamas, também integrada pelo empresário José Fortes – quando Dado se surpreendeu ao ver que Herbert já mostrava destreza no toque da guitarra. “Herbert, você está tocando melhor do que eu!”, surpreendeu-se Dado. “Ué, mas eu sempre toquei”, devolveu o guitarrista, na lata, com a notória sagacidade.
Nada justifica a interrupção da narrativa de Barone em 2002 no mesmo ponto do livro editado há 21 anos por Jamari França. Por que não contar o que veio depois e que nunca foi contado em livro? Até porque a história dos Paralamas continuou após a edição do álbum Longo caminho (2002).
Outros discos e turnês vieram ao longo desses 20 anos, embora haja o consenso geral de que, se o trio manteve a pegada nos shows, o suprassumo da discografia da banda ficou concentrado no período de 15 anos que vai do segundo álbum, O passo do Lui (1984), até o disco ao vivo gravado em 1999 na série Acústico MTV, mas fora do repetitivo padrão unplugged da emissora musical.
Logo, por que ignorar no livro a existência de álbuns como Hoje (2005), Brasil afora (2009) e Sinais do sim (2017)?! A rigor, metade do tempo de Barone com Os Paralamas fica fora do livro. Pode não ser o tempo musicalmente mais relevante, mas ele existe e certamente também guarda boas histórias.
Descontada essa grave falha, é justo ressaltar que o livro é bom. Estão lá os pormenores dos primórdios do trio – época de perrengues típicos de todo início de carreira, mas também dos alegres ensaios na casa da lendária Vovó Ondina – e das gestações de músicas e álbuns, além das lembranças da convivência amistosa na estrada em condições nem sempre favoráveis.
Do ponto de vista musical, é interessante entender no livro como foi natural a transformação da banda nos dois anos que separam o disco O passo do Lui (1984) do consagrador Selvagem? (1986), álbum marcado por potente brasilidade de tom latino.
Barone também relata como foi o processo de negociação de cada disco com a diretoria da gravadora EMI, dando os devidos créditos à generosidade dos diretores artísticos Jorge Davidson e João Augusto, avalistas das ideias da banda.
Embora o tom do livro seja quase sempre diplomático, cabe mencionar que Barone não poupa Lobão – que, de amigo inicial do trio, se tornou desafeto de Herbert Vianna após surto em que começou a acreditar que estava sendo plagiado pelo principal compositor dos Paralamas – e que tampouco esconde a mágoa de Herbert ter recusado o convite para participar de tributo aos Beatles produzido por Barone com Vinícius Sá, O submarino verde e amarelo (2000).
Para quem não é músico, cabe avisar que muitas passagens do livro são dedicadas às questões técnicas sobre a captação do som de bateria, instrumento no qual Barone sempre foi fera.
Enfim, 1,2,3,4! Contando o tempo com Os Paralamas do Sucesso é livro com potencial para seduzir leitores além do universo da banda carioca que ainda faz história na já amortecida cena do rock brasileiro.
João Barone conta em livro biográfico histórias (de metade) do tempo vivido com a banda Os Paralamas do Sucesso
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